A CONVERSÃO DE MOHAMED















AGRADEÇO PRIMEIRAMENTE A DEUS.

Ao Senhor Onipotente, Onisciente e Onipresente em primeiro lugar.

Sem Ele nada seria feito e “portanto dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele seja a glória perpetuamente! Amém.”. Romanos 11,36.
        
         À minha família amada.

         Aos parentes e amigos que sempre acreditaram nesse sonho.

        

























Prefácio











Nascida de uma inspiração noturna, no início de 2015, com a notícia do atentado ao Charlie Hebdo, esta “estória” traduz algumas ideias antigas que se renovaram e outras tantas novas fruto de pesquisas momentâneas e alguns mergulhos em terrenos áridos, pouco conhecidos por mim. Trata-se, na verdade, de uma composição de um pouquinho de mim, da minha religião e das minhas viagens e experiências e muita ficção aliada ao prazer de tentar expor o melhor da cidade de Paris e seus encantos.



TÍTULO I

CAPÍTULO I

No Brasil

Mohamed Petit Hussein nasceu no bairro do Brás, em São Paulo, no dia 07 de janeiro de 1989.

Em meio a um cenário político efervescente, com crise interna pela inflação alta, redemocratização do país e dívida externa impagável. Era o penúltimo ano do Governo Sarney.

Filho de Salém Hussein e Edith Petit, Mohamed era um menino franzino, de cor escura (típica de muçulmanos), media 1,75 cm e pesava 70 kg, tinha cabelos encaracolados e sobrancelhas proeminentes. Aos dezessete anos já usava bigode e roupas clássicas. Inteligente, porém inseguro e tímido, um pouco por causa do preconceito e um pouco pelo seu modo de ser. Mas tinha uma ponta de irreverência e contestação, típica de um jornalista, o qual mais tarde se tornaria e desenvolveria esta habilidade, sendo colunista de um jornal semanal francês.

Salém Hussein, seu pai, era um muçulmano radical. Um homem rude, sem escrúpulos, de origem Iraquiana, nascido em Bagdá, adepto do Islã, que logo após o casamento com Edith, largou a família e voltou para a sua terra natal, o Iraque; sendo que nunca mais deu notícias. A família soube anos depois que o mesmo foi morto num combate na Guerra do Golfo.

Sua mãe, Edith Petit, mulher humilde, era filha de uma camponesa com um falido pintor francês que veio morar no interior de São Paulo e não pôde estudar muito, pois viveu boa parte de sua vida na roça. Herdou do pai a formação na área gastronômica, bem como no campo do conhecimento da história, geografia e cultura geral, embora a religião católica fosse praticada também pela mãe. Assim, desde menina, Edith teve sempre presente o catolicismo.

Mulher de grande fibra e honrada e batalhadora, Edith vivia em São Paulo, na região do Brás. De origem humilde, jamais fora abastada e desde que foi deixada pelo marido, passou por diversos problemas de ordem financeira, afora a dificuldade em enfrentar só a criação do filho.

Com o Plano Real e a virada da moeda, em 1994 e os planos econômicos que se seguiram, a situação financeira da família piorou ainda mais, vendo-se Edith obrigada a viver de pequenos bicos em restaurantes da região onde morava ou como diarista, de parcas faxinas.

Em função do abandono precoce do pai, Mohamed, que sabia muito pouco sobre ele, viveu humildemente com sua mãe no bairro do Brás. Apesar de pobres, viviam numa casinha relativamente boa, arejada, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro.

Na parte externa havia um quintalzinho, onde Edith cultivava uvas de castas variadas e tinha um pé de laranjeira. Possuíam muitos vizinhos imigrantes europeus, tais como italianos, portugueses, espanhóis e alguns árabes muçulmanos provindos do Iraque, Marrocos, Afeganistão e Paquistão.

O bairro do Brás, onde viviam, é caracterizado pelas ruas de intenso comércio popular, restaurantes e pela variedade de pessoas, sejam trabalhadores, visitantes ou moradores.

Sua origem está ligada a José Braz, proprietário de uma chácara na região na qual foi construída a igreja de Bom Jesus do Matosinho, e em torno dela desenvolveu-se um povoado que deu origem ao Brás. O bairro cresceu com a chegada dos imigrantes e caracterizou-se pela notável presença de italianos. No passado, em determinadas ruas o italiano era mais falado que o português. A urbanização e industrialização de São Paulo foram impulsionadas pela cultura do café e os trilhos da São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí, chegaram à cidade. A estação do Brás foi inaugurada em 1867 e em 1885 foi construída ao lado dos trilhos do trem a Hospedaria de Imigrantes, para receber pessoas que chegavam ao estado de São Paulo para trabalhar na lavoura ou nas indústrias. Na década de 40, uma grande seca que atingiu diversos estados do Nordeste deu início a migração de milhares de nordestinos que chegavam à cidade a procura de uma vida melhor. Na década de 70 foram construídas as estações Brás, Pedro II e Bresser do Metrô, o que resultou na mudança da paisagem do bairro que se tornou um dos  principais polos comerciais do país. Há algumas curiosidades do bairro, como por exemplo, o fato de Charles Miller ter ali nascido e trazido o futebol para lá. Também o crescimento do comércio e a festa de São Vito, comemorada desde 1919.


Assim, enquanto vivia em São Paulo, Edith procurava dar a seu filho Mohamed, ou como gostava de chamá-lo: Le Petit, boa educação e uma base sólida de valores morais, éticos e cristãos, levando-o a apreciar os estudos, ensinando-lhe boas maneiras, aulas de comportamento e a praticar a religião católica; frequentando missas (na Paróquia São João Batista do Brás - perto de sua casa), rezando o terço, fazendo caridade etc; mas sempre respeitando o direito de escolha do menino, que, às vezes queria saber um pouco mais sobre a religião muçulmana, os ensinamentos de Alah, as vedações impostas na parte gastronômica (como carne de porco), os ensinamentos de Maomé, o Corão e o Alcorão e suas Suratas, os costumes árabes, os horários de orações e jejum, sonhando, vez por outra com uma peregrinação à Meca, seguindo em muitos passos o modus vivendi de seu pai Salém, notadamente na maneira de se vestir e também pelos ditados árabes de sabedoria.

Algumas vezes ele espiava de longe as Mesquitas do Brás, local de oração dos muçulmanos, tendo adentrado poucas vezes em uma delas. Mohamed tinha certa admiração pelo profeta Maomé, embora a História da vida de Jesus e a religião católica sempre fizesse a ele muito mais sentido!

Aos poucos foi abandonando o interesse pelo Islã e se voltando para a religião católica, que era aquela praticada por sua mãe, pela maioria dos brasileiros e ocidentais e também porque era a que ele, no fundo, mais se identificava.

Mohamed teve uma infância e uma adolescência meio conturbada, pois era um menino diferente. Sempre quieto, retraído, de poucas palavras e com um livro na mão. Nunca fez sucesso com as mulheres.

Enfrentava bullyings dos coleguinhas de classe na escola, preconceito nas ruas e sofria calado. No entanto, nunca ficou revoltado por isso e direcionava suas energias para os estudos. Influenciado pelas ideias da mãe, tanto no campo da religião quanto no campo da cultura geral (como as artes, literatura, pintura) e culinária.

Embora tivesse sido criado sozinho pela mãe, com muita dificuldade, nunca lhe faltou nada.  Edith provia o sustento da casa e sempre o estimulou a estudar e a conhecer a história da igreja católica bem como da cultura ocidental, pois acreditava que a civilização ocidental havia sido responsável pela base, formação e desenvolvimento da igreja católica e de outros inventos universais. O menino vivia perturbado com as ideias da mãe, com o seu futuro etc. e demonstrava um comportamento maduro para sua idade. Muitas vezes, em suas reflexões, buscava resposta para diversas perguntas sobre o universo, sobre a história e criação do mundo etc.

Junto aos amigos, ao mesmo tempo que demonstrava ser um sujeito maduro, não era convicto sobre o Cristianismo, enveredando, vez por outra, para ideias e costumes islâmicos, principalmente por força de Ramzi, o seu melhor e praticamente único amigo.

Parecia que seu pai o chamava lá no seu íntimo a praticar a religião islã e não raro, quando lhe ofereciam carne de porco, num churrasco entre amigos, o mesmo custava a aceitar, pensando no haram que podia estar cometendo.

Desta forma, desde cedo, o pequeno Mohamed enfrentava forte discriminação entre seus colegas de classe que viviam o chamando de pequeno terrorista ou de homem-bomba. Também passava por constrangimentos perante algumas amigas da mãe que criticavam o modo como ele se vestia (de modo clássico islã, ou seja Thoub, Jalabiyah e Taqhiyah ou Keffiyeh) , sobretudo porque o menino era muito quieto, calado e preferia ler a brincar. Já adulto Mohamed abandonou o modo de se vestir do pai.

Com o passar do tempo o jovem passou a se dedicar mais aos estudos da fé cristã, bem como começou a trabalhar numa "vendinha de doces", próxima à sua casa. Nesta época Mohamed  contava com 14 anos de idade.

Desde o primeiro salário o mesmo juntava dinheiro em seu cofrinho para realizar o seu sonho de morar em Paris. Era esperto e sabia administrar bem suas economias, de modo que, ao final de dois anos, já possuía quantia suficiente para a compra de uma passagem de ida para a França. E foi o que ele fez.

A porção brasileira da família, por ser humilde, de origem camponesa, não tinha uma vida confortável e desde cedo haviam perdido contato com Edith.

A parte francesa da família da mãe vivia na Normandia e quase não mantinham contato, exceto por uma tia, Émile, que as vezes se comunicava com Edith e estimulava o pequeno Mohamed a ir morar na França depois que completasse 16 anos, fato que o estimulava muito, porém, não apostava que conseguiria.
CAPÍTULO II

No grupo escolar, desde tenra idade, Mohamed Hussein mostrava-se um aluno aplicado e culto e já simpatizava com algumas disciplinas, notadamente história, geografia e estudo de línguas. Mais tarde afeiçoou-se com jornalismo e marketing, passando a admirar grandes jornalistas âncoras da TV brasileira, repórteres de campo, apresentadores de jornais televisivos, entre outros. Quando sonhava com uma profissão, não tinha dúvidas que o que mais o interessava era o jornalismo, sempre pensando em como seria trabalhar numa redação. Com o tempo foi conhecendo melhor e se informando sobre a profissão e compreendendo a história do jornalismo no Brasil, quando ainda nem se falava em liberdade de imprensa.

O importante a ressaltar é que hoje em dia o cenário é muito diferente do século XIX ou nos períodos de Ditadura Militar, quando o jornalismo engatinhava no Brasil. Parte da imprensa pode até ser taxada de “intrometida” e “sensacionalista”, mas o jornalismo atualmente informa muito mais do que há duzentos anos e dá o privilégio ao leitor de selecionar aquilo que quer saber.

Na verdade, da década de setenta para cá houve uma crescente evolução do jornalismo, com a multiplicação do número de canais de televisão, rádio e difusão.

A cena jornalística ainda cresceu bastante nas últimas décadas, principalmente com a implantação da democracia plena, após os anos oitenta, com a evolução do sistema capitalista e da tecnologia. Houve e ainda há uma crescente ampliação dos meios de comunicação, com implantação de canais de tv a cabo, computadores, internet até o jornalismo chegar literalmente em nossas mãos, isto é, o smartphone, com o início da Era Digital. A velocidade da informação está rápida demais e vivemos no milênio da informação e tecnologia.

Cena 1 de preconceito

O jovem Mohamed sofria preconceito de todos os lados.

Primeiro por ser filho de estrangeiro, depois por ser filho de um muçulmano, ainda pela sua cor (mais escura, típica dos povos do oriente médio, notadamente muçulmanos) e ainda por ser um menino pobre, da periferia. Algumas amigas de sua mãe, quando iam visitá-los, olhavam torto para o pequeno Mohamed e comentavam entre elas que aquele rapaz devia ter algum problema psicológico ou mental. A família do pai jamais aceitou o fato do filho (Salém) ter se casado com uma mulher que não fosse muçulmana, embora a lei islã permita o casamento com uma mulher cristã e foi por este fato que a família do pai de Husseim nunca se aproximou de Edith.

O jovem menino, tímido e pacato, que cursava a 3a série, hoje em dia 4o ano, começou a ser debochado.

Porém, por ser um menino pacífico, de índole boa e sem maldade, recebia essas ofensas e mantinha-se calado.

Na verdade, quase todos os dias era importunado por seus coleguinhas, que esperavam chegar do recreio/intervalo para começarem a zombar dele: empurrando-o, xingando-o, atribuindo qualidade negativas como a de “terrorista” ou “homem-bomba”, achincalhando-o porque tinha cor escura e não era negro, vestia-se bem mas não era rico e também por ter certos hábitos ligados à cultura árabe, totalmente estranhos e desconhecidos aos olhos dos brasileiros.

Dali em diante, Mohamed já não tinha mais prazer em frequentar as aulas, isolava-se em sala de aula, procurava se manter longe de tudo e de todos nos intervalos e tentava concentrar-se apenas nos estudos, tendo sido classificado como o famoso “nerd”!

Seu amigo Ramzi

A sorte de Mohamed é que teve um fiel amigo, Ramzi. Estudaram juntos desde os primeiros anos do colégio e possuíam uma amizade sólida e afetuosa. O menino também era descendente de árabe, do Marrocos, e talvez por isso conseguisse entender melhor Mohamed e os seus costumes.

Embora se comportasse de uma forma diferente de Mohamed, tendo uma personalidade mais sociável e marcante, o menino conseguia manter um bom vínculo de amizade com Mohamed e o defendia das agressões e preconceitos sofridos (bullying).

Apresentava-se de uma forma não tão acanhada para os amigos e para a sociedade e fisicamente não aparentava ter traços árabes, nem mesmo pelo sua cor, que era naturalmente mais clara, por causa da mãe europeia. Assim, os outros “amiguinhos” não o zombavam!

Ramzi acompanhava Mohamed em muitos momentos da sua vida, seja na ida à escola, num trabalho de classe ou até mesmo numa festinha ou num passeio que fizesse. Por outro lado, Mohamed sentia-se mais confiante quando estava em companhia de Ramzi porque ele o protegia e o entendia.

Assim, Ramzi frequentou por um longo tempo a casa de Mohamed e dona Edith. Logo quando ele chegava, já era recebido com festa por Mohamed que se comportava de forma efusiva e eufórica. Nem parecia aquele tímido garoto do colégio que não falava com ninguém, não tinha namorada e se vestia de forma estranha.

Os garotos brincavam a valer por horas e costumavam assistir a seriados árabes na TV. Isso era uma forma magnífica de identificação pessoal e resgate dos valores familiares, o que deixava Mohamed feliz.

Dona Edith, por sua vez, ficava feliz em recebe-lo, pois sabia que durante aqueles momentos ou horas seu filho estaria feliz e seguro!

Ramzi, quando das visitas ao amigo, gostava de levar doces árabes e alguns costumes (roupas) típicas, como a Gafirah, a Kandoora e o Gutra. Isolavam-se no quarto, vestiam-se e fingiam ser príncipes árabes. Sonhavam alto e acordados.

Cena 2 de preconceito

Passado um tempo, em sua adolescência, ainda no Brasil, enquanto os seus colegas iam ao cinema, teatro, shopping, ou namorar, Mohamed mantinha isolado, longe de ser um menino sociável, apenas lia muito. Mohamed só era capaz de sair de casa quando seu amigo Ramzi vinha procurá-lo.

O restante do tempo se punha a ler e pesquisar sobre todos os assuntos ligas à sua mãe, sobretudo a respeito da França e a vida em Paris.

Nas horas vagas, saía de casa em companhia de seu melhor e talvez único amigo Ramzi e os dois perambulavam pelas ruas de São Paulo, visitando Mesquitas, a fim de conhecer melhor a religião de seu pai.

Em outras ocasiões, estando só, aproveitava para conhecer o lado da religião de sua mãe Edith, visitando igrejas católicas do bairro.

Cena 3 de preconceito

Assim, passado um tempo, aos doze anos, logo após o atentado de 11/09/2001, o preconceito étnico junto aos amiguinhos do colégio se intensificou e seu apelido virou “Osaminha”.

Mais uma vez Mohamed não conseguia se desvencilhar dos ataques de preconceito e discriminação.

Seus colegas passaram a ignorá-lo no colégio, fato que o levou ao isolamento total e acabou por prejudicá-lo nos estudos. Já nesta época havia perdido o contato com Ramzi, que tinha ido embora do Brasil e retornado para a terra natal de seu pai, o Marrocos.

Tudo isto lhe custou sessões e mais sessões de terapia e consultas em psiquiatras. À esta altura, Mohamed era uma menino cada vez mais antissocial.

 Dona Edith sofria calada, procurando não demonstrar ao filho sua tristeza.

Mohamed sofreu bastante nesse período, porque o trauma na adolescência, decorrente do bullying sofrido havia cravado feridas incuráveis em sua personalidade e refletido diretamente em sua vida pessoal, trazendo sequelas irreparáveis. Foram meses e meses de tratamento, acompanhamento com assistente social, psicólogos e até psiquiatras.

E mesmo após o tratamento, apesar de uma ligeira melhora da autoestima, Mohamed não conseguiu superar totalmente o trauma do preconceito que se instalou em razão dessas barbáries cometidas pelos seus companheiros de escola, carregando consigo esse fardo para o  resto da vida.

Dos doze aos dezesseis anos, quando formava a sua personalidade definitivamente, Mohamed foi atacado moralmente por diversos grupos de pessoas, notadamente pelos colegas de turma escolar, o que lhe rendeu uma adolescência triste e enfadonha.

Contudo, Mohamed conservava em seu coração o desejo de sair do país em busca de novos horizontes. Afinal, sabia que o estrangeiro seria uma excelente opção para começar uma nova vida, talvez encontrando paz, algo que ele não sabia o que era desde quando começou a ter consciência de seus atos e de seu comportamento, o que se iniciara a partir dos primeiros anos de sua vida.


A saída do Brasil:

A saída do Brasil foi conturbada.

Às vésperas de completar 17 anos, cansado de tanto sofrer bullying e discriminações, Mohamed não queria mais nada. Só pensava em deixar o Brasil e aquela vidinha pacata e sem graça e ir morar em Paris.

Nada mais o interessava. Nem mesmo a forte ligação com sua mãe o fazia mudar de ideia.

Todo o preconceito que sofreu na infância e adolescência deveria ficar no passado e ele acreditava firmemente que algo de muito bom e agradável lhe aconteceria fora dos limites de seu país.

Ademais, Mohamed sabia da existência de uma tia francesa que, em caso de uma emergência, poderia lhe amparar. Nas longas conversas que mantinha com sua mãe, principalmente nos períodos mais críticos de isolamento social, Edith sempre comentava de tia Émile, que vivia em Rouen, nos arredores de Paris e de sua personalidade amável e acolhedora.

Assim, diante de todo esse quadro de isolamento social e bullying, nada mais lhe atraía no Brasil e Mohamed confirmou sua decisão de passar a viver na cidade luz: PARIS e enfrentar novos desafios.

Edith, sua mãe, protetora ao extremo, mas acima de tudo realista, embora tivesse sempre o estimulado a conhecer a cultura francesa e a religião católica, por ser seu único filho e ainda ser "mãe-solteira", obviamente que também desejava sua companhia e se posicionava contra a ideia do filho deixá-la, saindo precocemente de casa. Porém, respeitou a decisão de Mohamed, que já estava tomada e no fundo ela sabia que poderia ser bom para seu Le Petit.

Ela o amava profundamente e, embora quisesse protegê-lo, sabia, no entanto, que sua vida poderia melhorar. Novos horizontes, uma sociedade mais fechada, onde predomina o respeito entre o ser humano. Isso haveria de lhe fazer bem, pensava Edith Petit.

No final das contas, coube a ela apenas fazer a autorização judicial para a saída do filho menor, procedimento este que, embora burocrático, não demorou mais do que três meses. E ela o fez com dor no coração.

Lá ia embora sua "cria" alçar voos mais longos e viver o lendário: Liberté, egalité et fraternité, lema francês da Revolução e tão enaltecido pelo pai de Edith!



TÍTULO II

CAPÍTULO I

Em Paris

A chegada


O ano era 2006.

Às vésperas de completar dezessete anos, o jovem Mohamed se muda, em definitivo, para Paris.

A Paris de 2006, infelizmente, já não é a mesma dos tempos atuais. Embora com a mesma pluralidade de tendências filosóficas, científicas, sociais e literárias, advindas do realismo-naturalismo, hoje em dia vivem-se dias de “terror e guerra”. Infelizmente, com o crescimento do número de radicais islâmicos vivendo ou passando por lá, temos um cenário de terrorismo.

A Paris da época das boemias literárias, como as de Montmartre, já não existe mais há muito tempo. Mas, de outra banda, mesmo com todas as mudanças, a Paris, como cosmopolita que é, ainda se mantém em muitos aspectos.

Paris da literatura de cafés e boulevards, de transição pré-vanguardista.

Paris das guerras e da paz.

Paris dos Franceses e do Mundo.

Paris da arte, da poesia, da pintura, da escultura.

Paris dos grandes museus, da natureza, das lindas igrejas,

Paris, a cidade-luz.

Enfim, são tantos codinomes e apelidos da bela Paris, que o melhor mesmo era lá estar.

Pois bem, lá baixando, pelo aeroporto Charles de Gaulle, com passagem só de ida, Mohamed Petit Husseim foi sabatinado pela imigração francesa por horas a fio. Sofreu uma pressão incrível, principalmente por trazer em seu sobrenome a carga árabe.

Não fosse um oficial (que tinha raízes brasileira) o liberar, o inexperiente Mohamed teria sucumbido na sua tentativa de viver na França e retornado à força ao Brasil.

Mas tudo deu certo. Deixou o aeroporto, embora nervoso e tenso, feliz. Tomou um táxi até o centro velho. Já começou o deslumbre com a bela cidade. Para todo o lado que mirava avistava um cenário diferente. Um mais bonito do que o outro. A primeira vez que se pisa em solo parisiense e se vê a Torre Eiffel e o Rio Sena rasgando, com respeito, todo aquele cenário, é de cair o queixo!

Pois bem, embora tivesse ansioso por conhecer a cidade, a fome lhe consumia, de maneira que priorizou a alimentação em detrimento do belo, fazendo uma breve refeição, comendo a famosa baguete e tomando um vinho ½ e seguiu à procura de seu destino: o lado norte de Paris.

Mohamed ficou sabendo, já no Brasil, que o lado Norte da capital Francesa era igualmente belo e com muitas atrações pitorescas e principalmente que tinha preços de aluguéis mais convidativos, facilitando encontrar uma apartamento, uma pensão ou algum hotel mais acessível. Talvez se fosse nos dias de hoje já o teria reservado por algum site de buscas. Mas a internet, no início dos anos 2000 ainda engatinhava no Brasil. O jeito era mesmo fazer uma pesquisa in loco.

Logo arrumou um quartinho de aluguel, num sótão de um velho hotel (Arcadie), localizado na região de Gare du Nord e passou a trabalhar como garçom no La Vie Rose, um tradicional cabaret da região. (Ouvindo as histórias do passado - Belle Epoque e dos anos de ouro, com a ascensão da cultura, do cinema, dos cabarés, convivendo com as sofridas dançarinas etc.).

Gare du Nord

A estação é um dos seis terminais da rede principal da SNCF em Paris. Ela possui conexões para várias linhas de transporte rápido urbano de metrô e RER.

Com cerca de 180 milhões de passageiros por ano, a Gare du Nord é a estação mais movimentada da Europa e a terceira mais movimentada do mundo. A estação serve trens para o norte da França, bem como vários destinos internacionais para o Reino Unido, a Bélgica e os Países Baixos.  Na bonita fachada se observam vinte e três estátuas, que simbolizam as cidades ligadas pelos trens. E é de lá que parte o Eurostar que liga Paris à Londres.

Por lá também que circulam a população de baixa renda, imigrantes africanos, muçulmanos, estrangeiros; enfim, toda a sorte de pessoas que vão em busca do sonho de melhorar de vida numa cidade que acolhe a todos, sem preconceito.



Seu quarto

O quarto de Mohamed se localizava no 5º pavimento, justamente o sótão do velho Hotel Arcadie, ao lado da Garde du Nord. Por se localizar no último piso (soton) e ter mobília antiga, o quarto guardava um cheiro de madeira misturado ao odor do carpete velho. Não tinha mais do que dez metros quadrados. Cabia apenas a cama de solteiro encostada na parede diagonalizada; um criado-mudo com uma pequena luminária, um vallet, uma estante sustentando velha TV, um frigobar e um toillete minúsculo acoplado. Paredes com tintas à óleo em tom pastel até metade e a outra metade apenas a pelo, ou seja, na parede original. Do outro lado havia uma janela alta, como uma escotilha e uma lâmpada fosca no centro. Foi lá que Mohamed passou os primeiros sete anos de Paris.
Os arredores

O velho Hotel Arcadie, com sua faixada cinzenta e a recepção amadeirada, abrigava diversos imigrantes provenientes da América do Sul, África entre outros. O Hotel fazia fundos com a famosa estação Gare du Nord.

Na mesma rua, alguns metros adiante, havia uma mercearia humilde onde Mohamed costumava pegar a baguete e alguns gêneros alimentícios.

E por ali, Mohamed apreciava circular, conhecendo as redondezas de seu bairro, cruzando o Boulevard de Magenta, a Rue La Fayette, a Rue de Maubenge, dirigindo-se até os famosos bairros de Montmartre, Pigalle etc. Era ali que Mohamed fazia suas compras, sempre a procura de um bom marché.
Pigalle, especialmente o agradava, porque era uma região interessante. Famosa por ser uma região da boemia, das prostitutas, dos parisienses do interior à procura de diversão e de turistas do mundo inteiro na mesma procura. Aos poucos, Pigalle vem transformando essa tradicional boemia em local descolado, onde circulam parisienses antenados. O que mais intrigava Mohamed eram os contrastes do bairro. Durante o dia, via famílias inteiras a passear, homens com a tradicional baguete debaixo do braço, mães com carrinhos de bebê, donas de casa com carrinhos de compra, tudo muito prosaico e tranquilo. À noite as vitrines se iluminavam com fotos pornográficas  tamanho XXL, os ônibus de turismo soltavam nas ruas filas e filas de turistas sedentos por aventuras sexuais.
Montmartre também é um dos mais famosos e charmosos bairros da cidade e que é vizinho da Gare du Nord. A região de Montmartre foi imortalizada pelo filme da Amélie Poulain, tem ruazinhas arborizadas, seus pintores de rua, seus cafés e cabarés, o mais famoso é o Moulin Rouge. Além disso, como fica no alto de uma colina, oferece uma das mais lindas vistas da cidade e aonde se encontra também uma das mais lindas igrejas de Paris, a Sacré Coeur.

O que é típico em Paris?

Desde a baguete debaixo do braço, o vinho que não pode faltar, até um lauto jantar na Champs Elysees. Quanto aos vinhos, como a fama não é à toa, qualquer vinho que provasse era bom, afinal, todos os vinhos franceses são de alta qualidade. Um vinho que se paga trinta ou quarenta reais no Brasil, lá saia por volta de cinco euros.


Tudo é muito típico na cidade-luz.

Há encantos natos e criados, mas a magia da cidade estava mesmo na beleza da arquitetura e de sua pródiga natureza. É como o Rio de Janeiro. Parece que Deus foi colocando peça por peça, até completar o tabuleiro. As coisas se encaixam umas nas outras, como peças de um puzzle gigante, formando o corpo e os membros da cidade.

Mohamed ficava abismado com a beleza do conjunto arquitetônico misturado com o verde e o Seine a cortar o centro de Paris.

Ao mesmo tempo, ao andar pelas ruas e vielas estreitas, podia observar a sobriedade das construções e a variedade da flora. Igrejas belíssimas completavam o cenário.

Haviam muitas árvores encrustadas nas calçadas, pareciam como braços pelados, secos, estendidos e entrelaçados, formando um ramalhete natural. Em especial, merecem destaques as grandes praças e as árvores da Champs Elysees, pelo formato igualado e a copa cheia, fechando o encanto da avenida mais glamorosa da cidade.

Os cafés também são outro ponto alto da cidade. Mas mais típico do que tudo são os próprios parisienses. Todos muito elegantes, magros, esbeltos, bem vestidos, sempre portando um jornaleco, uma baguete ou um livro debaixo dos braços. Todos aparentemente finos e um pouco sérios demais.

Mohamed notava que os parisienses precisavam de um bonjour e um sorriso para ficarem mais simpáticos e amáveis. Porém havia um lado que era compreensível, já que a cidade estava em constante visita de milhares de turistas e curiosos que não davam sossego aos locais.

Os vinhos são outro espetáculo à parte. Típicos, nasceram com a cidade e são imortalizados a cada segundo nos restaurantes, bares, cafés e até para quem faz uma pausa à beira do Rio Sena.

Típico também são os boquinistas, vendedores de livros, revistas e posteres antigos da Belle Epoque.


Os boquinistas

Quando descia as ruas da margem do Sena, Mohamed passava muitas vezes pelos boquinistas.

Trata-se de um passeio clássico pelas margens do Sena, em que se passa pelos vendedores de livros, revistas, posteres antigos e desenhos da Belle Epoque. Garimpar cada stand era um verdadeiro programa e uma viagem no tempo e na história da França. Este é um dos passeios preferidos do cantor Chico Buarque. Hoje, se Chico fosse visto por lá por alguns brasileiros certamente seria hostilizado pela sua posição de esquerda-caviar, sua posição ante as doações que recebera da Lei Rouanet e sua ligação com o governo do PT.

Mohamed sempre buscava ler algo novo, típico de Paris, vendo aqueles livros, e destacava uma poesia, de um autor brasileiro, com pseudônimo Bruno Kelsen, chamada Paris: Cidade Intangível.

CAPÍTULO II

PARIS: Cidade intangível

Paris não se define palpavelmente.                 Das belas artes e da belle epoque   
Paris não se conhece, se sente!                            O lugar dos artistas!
Paris se toca com a alma,                                    Paris das flores e jardins
Paris se conhece com calma!                       De violetas e jasmins
A cidade-luz não foi programada                 Paris das esculturas de Rodin
Ela simplesmente foi existindo                    E dos amantes nos divãs!
Foi se autoconstruindo                               Paris, a cidade eterna!
De uma forma desordenadamente linda!      A taverna dos encontros
Paris pode ser um estado de espírito,           A cidade dos enamorados
Paris pode ser uma fragrância,                    A representante mor da cultura!
Paris pode ser uma esperança                     Paris dos cabarés e bistrôs
Ou simplesmente pode ser Paris!                          Dos shows e dos vovôs!
Paris das guerras e batalhas                       Paris dos eventos e da Torre
Dos cinemas e dos filmes                                     Do Louvre e da Notredame!
Das eternas músicas                         Paris da beleza natural e dos palácios
E dos amores às dúzias!                              Das igrejas e claustros
Paris é o olor da arte,                                  Do Seine derramado
É o estandarte da vida                                Do “Arco” da velha!
É o bacamarte de Napoleão                         Oh Paris tão bela,
Ou a espingarda de Joana D´Arc!                Cidade intangível
A cidade dos Orlèans                                  Com perfeita descrição
Dos encantos e parques                             Tu és indescritível!

(Bruno Kelsen)



CAPÍTULO III

A culinária

Desde menino, Mohamed fora acostumado a ouvir falar e a provar alguns pratos da culinária francesa e isso, por óbvio, o ajudou muito em sua vida na França. Assim, em suas compras e também para se alimentar em restaurantes da capital Francesa, Mohamed sabia exatamente o que pedir e o que experimentar, e se desenrolava facilmente das armadilhas gastronômicas. Aos poucos, ele foi montando uma lista de comidas e pratos típicos das regiões francesas.
Seguem  as suas anotações, no diário de bordo:

Pão francês/Blanquette de veau ou ensopado de vitela
Coq au Vin (galo ou capão cozida no vinho tinto)
Queijos Variados/Steak au poivre/Cuisses de grenouilles (Coxas de Rãs)
Escargots (Caracóis)/Sobremesas ou Desserts/Crème brûlée o mesmo que Leite-creme em Portugal e Crema Catalana, na Espanha./Crêpes Especialidade Bretã: finas panquecas/Mousse de chocolate Chocolate batido com creme e claras em suspiro
Pâtisserie Pastelaria/Mille-feuilles Mil Folhas/Alsácia:Choucroute garnie (sauerkraut repolho em conserva com salsichas, carnes salgada e batatas)
Alpes:Raclette (Queijo derretido servido com batatas , fiambre e carne seca)
fondue savoyarde (fondue de queijo e vinho branco em que se mergulham cubos de pão)gratin dauphinois Batatas gratinadas com creme, como no Dauphiné.
Tartiflette (gratinado Savoyard de batatas, Reblochon natas e carne de porco)
Bretanha:Crêpes ou panquecas muito finas
kik ar fars (porco com uma espécie de ravioli)
kouign amann (pão pequeno feito com muita manteiga)
Borgonha:Boeuf Bourguignon (carne de vaca cozida em vinho da Borgonha durante muitas horas)Escargots de Bourgogne (caracóis em suas cascas com manteiga e salsa fresca)Fondue bourguignonne (fondue feito com óleo, em que se mergulham cubos de carne)
Lorraine:Quiche Lorraine uma massa de torta fina sobre a qual se dispõe creme e toicinho frito.
Costa Azul/Provença: Bouillabaisse (uma sopa de tomates e peixes do M;editerrâneo servida com molho ferrugem)
Ratatouille conserva de berinjela, tomates, abobrinha
Pieds et paquets (pedaços de pés e tripas de cabrito em molho saboroso)
Nimes:
Brandade de morue (bacalhau em purê)
Normandia:
Tripes à la mode de Caen (tripas cozinhadas em molho de vinho e Calvados)
Auvérnia Auvergne
Tripoux (pedaços de tripas em molho saboroso)
Truffade(batatas salteadas com alho e queijo tipo "tomme")
Aligot (puré de batatas misturadas a queijo "tomme")
Sudoeste:Cassoulet (ensopado com feijão branco, salsichas e pedaços de ganso ou pato confitados)
Foie gras (figado de ganso ou pato).
CAPÍTULO IV

Dia-a-dia em Paris

O dia-a-dia de Mohamed, para variar, era bastante enfadonho.

À noite trabalhava como garçom no Cabaret La Vie Rose.

Mohamed tinha apenas as manhãs para dormir, já que suas tardes eram aproveitadas para as compras e alguns passeios e acertos de bancos e tentativas de bolsas na universidade.

Com o parco salarie que auferia conseguia pagar o aluguel do quarto no Arcadie e fazia suas despesas pessoais. Definitivamente não dava para ter uma vida confortável, muito menos de luxo.

Já nesta época, Mohamed Husseim esforçava-se para encontrar um novo emprego, mas para um imigrante era difícil.

Caminhava a pé todo o seu bairro e passava muitas vezes pela estação de trem, encantando-se ao ver tanta gente e tanto estrangeiro deixando a cidade ou chegando pela estação du Nord. Aquilo lhe teletransportava ao dia que chegara.

Mohamed adorava visitar novas igrejas e sua mãe havia lhe contado que a cada visita em uma nova igreja ele deveria fazer três pedidos e eles seriam atendidos. Ele o fazia sempre que possível. Vez por outra rezava o terço, à beira de seu criado-mudo, olhando saudoso para a foto da mãe.

Vivia com saudades imensas de Edith e procurava amenizar esse sentimento falando ao telefone num cabine pública que havia perto de seu hotel. Quando conseguia contato, ouvia as suas lamúrias falando sobre o novo marido. Falava pouco de suas experiências locais, mas era gostoso ouvir e saber da sua mãe, que era o seu esteio. Posteriormente, adquiriu um notebook e passou a enviar e-mails e a falar pelo Skype com Edith, através de videoconferência. Isso o ajudou bastante, porque se sentia mais forte. O equilíbrio emocional de Mohamed era muito grande, mas quando passou a morar só, tornou-se naturalmente mais carente, principalmente no aspecto sexual; até porque ele era uma pessoa casta.

Já nesta época, revoltado com o abandono definitivo do pai, não via na religião islã muito sentido. Na verdade, embora ainda "flertasse" vez por outra a religião muçulmana, com o passar do tempo, reforçou ainda mais a sua vontade de se converter ao Cristianismo. Nesse período Mohamed aproveitava para ler a Bíblia e outras obras cristãs e também para se aprimorar no estudo da história da igreja católica. Paris, assim como a Europa, faziam parte dessa história e ele achava isso incrível.

O recém-chegado Mohamed não era de muito assunto. Sempre se mantinha introspectivo, sisudo, de poucas palavras. Vestia-se discretamente. Gostava muito de ler e aprendia rápido. Com a vivência na cidade-luz, Mohamed passou a apreciar ainda mais as artes, a pintura, a escultura etc. e foi se tornando uma pessoa bem mais culta.

Nos primeiros anos de Paris, logicamente com mais dificuldades de adaptação, sua vida se resumia ao estudo do idioma local e a longas caminhadas vespertinas pelos arredores da região Norte de Paris; além de muito trabalho à noite no Cabaret La Vie Rose.

Nos dias de folga, aproveitava o tempo livre para visitar algumas igrejas católicas em busca de conhecimento e à procura de sua fé, ou, de vez em quando, procurava o Instituto do Mundo Árabe e alguns museus, como o Louvre e o Orsay.

Assim ia se aprofundando no conhecimento da religião e também gostava de ler jornais locais e nacionais, como o Le Monde e críticas antigas e satíricas, como as famosas espetadas de Victor Hugo.

Numa dessas caminhadas, acabou indo longe demais, dirigindo-se para Le Marais, bairro tradicional parisiense, perto da Bastilha, onde se encontram excelentes boulangeries e pâtisseries e onde está cravada uma das praças mais belas e charmosas de Paris, a Place Des Vosges, construída em 1612 por Henri IV, em formato quadrado, toda simétrica, com linda arquitetura e tetos de ardósia, arcos e excelentes cafés e restaurantes e um belo jardim central com fontes e estátuas. No numero 6 desta praça encontra-se a casa-museu Victor Hugo, onde o mesmo viveu. Mohamed perdeu horas ali observando cada detalhe de todo aquele acervo. A casa era belíssima, com três pisos, escadarias, repleta de cômodos finamente decorados, muitas pinturas, cerâmicas, adornos suntuosos e recortes de trechos de sátiras e criticas do autor ao governo da época.

Mohamed quase sempre fazia suas compras de gêneros alimentícios em feiras livres de seu próprio bairro ou em pequenos comércios da região. A variedade de produtos era imensa, principalmente frutas, vinhos e queijos, fato que o agradava muito.

Aos domingos, quando tinha um tempo livre, costumava subir em Montmartre assistir à missa na Sacre Coeur (um dos templos mais lindos da cidade de Paris, onde se encontra preponderantemente o estilo bizantino, tal como a Catedral de São Marcos de Veneza e onde tem uma das vistas mais deslumbrantes de Paris) e depois rumava até a Place des Tertres, ocupada por pintores de rua que fazem caricaturas dos turistas e retratam a cidade, fato que até hoje se dá com os turistas e moradores.

Outras vezes gostava de variar e tomava o lado oposto da margem do Sena em direção à Catedral de Notredame de Paris. Flanava por horas à beira do Seine, apreciando a bela paisagem que se formava junto a Ile de La Cite e depois, quando se aproximava o horário da missa na Notre, adentrava a imponente catedral gótica para assisti-la.

Muitas vezes, a beleza e a imponência da Catedral o entretia mais do que propriamente os ritos eucarísticos. Mohamed refletia, pensando como um templo daquele tamanho teria sido erguido no século XII. Ficava fascinado com as histórias das gárgulas e da Idade Média.

Afinal, a catedral de Notredame de Paris havia sido fundada em 1163!

De regra, uma vez por mês procurava visitar um grande museu. (Louvre, Orsay, Picasso, Carnavalet, Complexo dos Inválidos).

Um outro passeio sensacional era na belíssima e glamorosa Gallerie Lafayette; onde os preços nunca foram convidativos, mas onde a beleza de sua construção e seu teto em estilo Art Noveau impressionava, sem contar que havia uma das mais belas vistas da cidade no seu último andar!

Como dizem os parisienses, Mohamed estava ficando um grande conhecedor da cidade de Paris, e já podia dizer que a conhecia Comme ma poche (como o meu bolso)!


O Cabaret La Vie Rose

Mohamed, moço tímido, de formação religiosa, comportado e até certo ponto desajeitado, jamais tinha imaginado que seria "obrigado" a trabalhar num cabaret. Mas, como a vida tem dessas surpresas, notadamente quando não se vislumbra muitas oportunidades momentâneas, o inesperado acontece. Pois bem, a primeira chance que Mohamed teve de ganhar dinheiro foi esse emprego como garçom no Cabaret "La Vie Rose". E foi desta forma que sua vida começou a deslanchar em Paris. 

O La Vie Rose possuía uma linda faixada em estilo Art Noveau. Seu interior, rico em detalhes, guardava um ambiente meio brega & chic, até certo ponto blasé. O ambiente da sala principal se completava com cores vivas, adornado em vermelho, preto e branco. Seu teto tinha motivos da Belle Epoque. Havia quadros e painéis relembrando a Revolução Francesa. Nos corredores laterais havia luzes foscas e dois bares iluminados. Os toaletes brilhavam ao fundo, na cor lilás e a paisagem finalizava com um palco em forma de lua, com diversos spots e luzes e uma mesa de som, áudio e vídeo enorme.

Mohamed trabalhava à noite, dormia nas manhãs e suas tardes eram livres.

O convívio com os frequentadores (habitues) e dançarinas no ambiente de trabalho rendeu-lhe boa experiência e muitas histórias da Paris dos anos de Ouro, da ascensão dos cabarés, bares, lojas, a Paris de 36, de Pigalle etc. Quando ouvia as histórias antigas, era como que transportado para a Paris de 1920, época e lugar que viveram inúmeros intelectuais e artistas que admirava como F. Scott  Fitzgerald, Gertrude Stein, Ernest Hemingway, Salvador Dali, Tolousse Lautrec dentre outros.

Aquilo tudo era um sonho e o fascinava. Mas o CABARET representava, para ele, um avanço em sua timidez e ao mesmo tempo uma pitada de regresso às coisas mundanas.

Com aquela "bagagem" e “know how” suas caminhadas noturnas pela cidade-luz eram mais cheias de vida e o faziam sonhar, transportando-o aos anos de ouro vividos na capital francesa.

Lições de vida no La Vie Rose

Diuturnamente Mohamed se via numa experiência nova de vida em seu trabalho. Notava que não era só ele que sofria calado e que a vida não era fácil prá muita gente. As moças dançarinas viviam reclamando de baixos ganhos, assédio sexual, abusos do patrão etc. Os clientes, muitos deles infelizes no casamento, esnobes e fracassados no campo profissional, viviam importunando as meninas dançarinas e os garçons do  Cabaret, com pedidos estapafúrdios e humilhações desnecessárias. Muitas vezes, Mohamed entrava no camarim de uma delas e passava a ouvir as histórias pessoais como grandes lições de vida. As dançarinas viviam num dilema para estarem sempre bonitas, elegantes, magras e disponíveis. Algumas delas não eram prostitutas, mas apenas bailarinas ou dançarinas, muito embora fossem sempre confundidas como tais e assediadas como reles prostitutas. Porém, todas apreciavam com tranquilidade a pureza do moço brasileiro.

O primeiro dia que Mohamed viu Nadine

Quando Mohamed completou um mês no Cabaret chegou de Calais uma linda ruiva, cabelos ondulados, seios protuberantes, barriga chapada, bumbum arrebitado, medindo por volta de 1,80 cm e com um salto de 15 centímetros, pitando uma cigarrilha nas mãos cobertas por longas luvas pretas e um vestido  decotado: NADINE.

Ao vê-la, Mohamed não conseguiu esconder sua volúpia pela bela madame!

Ela entrou à meia-noite de uma sexta-feira e atrás dela "arrastando" uns dez homens embasbacados por tamanha beleza! Todos clientes assíduos do La Vie Rose!

Comentavam à boca pequena que jamais tinham visto tamanha beleza e tão chamativa mulher e foram logo a rodeando no salão central, ofertando-lha uma  bebida!

Mohamed, por sua vez, não se dirigia à madame, apenas a fitava de longe, sendo que era correspondido, o que lhe deixava extremamente encabulado, mas ao mesmo tempo intrigado e tentado. Com o passar dos dias, Mohamed se aproximou da bela senhorita e foi se apaixonando loucamente por ela; porém, a princípio se tratava mais de um amor platônico, o qual ele não apostava que pudesse virar realidade.

Nadine

Nadine era uma mulher linda, vibrante, chique e ninguém entendia porque ela ainda estava "nessa" vida. Corriam fofocas no La Vie sobre a real identidade dela. Uns afirmavam que ela era uma mulher nobre, mas desiludida por um amor não correspondido tendo caído na prostituição. Outros, porém, diziam que Nadine era uma moça humilde, mas que viu na prostituição uma forma rápida de enriquecer e se divertir. Mas na verdade, Nadine era muito profissional. Dançava magistralmente, como uma verdadeira bailarina do Bolshoi.

Nadine não fazia programas e não se envolvia com ninguém. Chegava pontualmente à meia-noite no Cabaret. Sempre muito bem vestida e pitando sua cigarrilha. Com um perfume adocicado o qual era sentido a metros de distância. Todos os dia adentrava seu camarim sem dar audiência a quem quer que fosse. Não se dava com as outras meninas e tinha residência fixa fora dali, deslocando-se de veiculo particular. Ao chegar, Nadine apenas acompanhava com os olhos Mohamed que podia sentir a sua candura sem ao menos possuí-la. Nadine parecia escolher a dedo quem seria o "felizardo" a conquistá-la.

Perdendo a virgindade

E foi numa dessas noites, passados três meses que Nadine chegara em Paris, que a linda mulher deu-se literalmente à Mohamed. Já combinando previamente, Mohamed e Nadine encontraram-se na Avenida de Clichy, próximo a um café. Por volta das 22:00 horas Mohamed já estava pronto, vestido e asseado. Havia se perfumado e comprado uma ramalhete de rosas colombianas para sua amada Nadine. Tomou um táxi e foi ao encontro dela. Haviam combinado o encontro nesse café da Avenida de Clichy por volta das 22:30 horas. E pontualmente nesse horário Mohamed chegou lá.

Com um atraso de 10 minutos, Nadine estacionou seu carro do outro lado da avenida e acenou para Mohamed. Quando ela desceu do carro, de longe Mohamed sentiu o olor de seu perfume exalar a metros de distância. Nadine vestia luvas alongadas e trajava um lindo vestido de cor lilás, botas presas de cano longo e um salto fino. Os seus cabelos amarrados de "birote" envoltos por um lenço de organdi transparente. Delimitando a sua área corporal, um cinto preto traspassado.

Ao descer do carro, com a elegância de uma dama, Mohamed sentiu o seu coração na boca. Sentia as batidas do mesmo entre os seus dentes, tamanha a explosão de sentimentos que o invadia naquele instante. Nesse instante, Nadine  já na calçada do meio da avenida, aguardando o sinal abrir para atravessar até o lado oposto, onde Mohamed encontrava-se estático feito um poste, com as flores nas mãos. A cada passo de Nadine, Mohamed ia sentindo um calafrio intenso e fortes contrações na barriga. Afinal, aquela noite seria muito importante para ele, que ao seu modo romântico e até certo ponto ingênuo de ver a vida, ia perder sua virgindade em grande estilo. Seus princípios cristãos o inibiam ainda mais, porque muitas vezes, ao pensar em sexo, sentia-se reprimido e já julgava que estaria praticando um pecado capital. Porém, a força da atração era mais intensa e o impingiu à fraqueza.

Nadine chegou, beijou-o lascivamente próximo à sua boca e ofertou-lhe uma das mãos para que o mesmo fizesse a típica reverência de um cavalheiro. Mohamed estremeceu e na mesma hora agarrou-a com uma força meio desproporcional, que a fez cambalear, mostrando seu nervosismo e seu jeito sempre estabanado de ser. Nadine, como dama que era, fingiu não sentir e reequilibrou-se novamente seguindo para a porta do café. Não permaneceram no local mais do que meia hora, quando começaram os beijos ardentes, os gestos lascivos e a efervescência dos seus corpos desfilava um clima de sexo no ar. Nadine falou ao seu ouvido: "Vamos sair daqui! Quero que me possua!". Mohamed mais uma vez estremeceu e começou a suar frio. Na mesma hora Nadine tratou de abraçá-lo afetuosamente, conduzindo-o para fora do café, dirigindo-se até o seu carro.

Ela fez as vezes do cavalheiro e abriu a porta do passageiro para ele. Entraram no carro e foram direto para uma mega suíte. Aquela ruiva era mesmo de tirar o folego. Amanheceram juntos, com os corpos entrelaçados, os lençóis revirados, copos caídos no chão e uma garrafa de champagne quebrada na lateral do criado-mudo. A cena de uma verdadeira batalha sexual.Aquela noite tinha sido mesmo uma noite de sexo e prazer ardente.

Ao despertar, Nadine deixou um bilhete escrito a batom no espelho do banheiro da suíte, com a seguinte frase:

J'ai rencontré un homme.
(Eu conheci um cavalheiro!).

                                                  CAPÍTULO V

                                                          O amigo Senegalês

Akon, um negro senegalês, de religião muçulmana, erradicado em Paris há muitos anos, respeitado dono de um comércio de tecidos da região de Montmartre, afeiçoou-se ao jovem Mohamed, que sempre que passava por sua loja, aos domingos, estendia a mão em cumprimento, soltava-lhe um bonjour e abria-lhe um sorriso.

Com o tempo, Mohamed e Akon travaram uma boa amizade e o comerciante passou a ajudá-lo, financiando parte de seus materiais para os estudos universitários. A outra parte o jovem conseguia com pequenos empréstimos feitos com uma tia da Normandia (Émile).

Depois de alguns cumprimentos sem manter uma conversa, aos poucos Mohamed aproximou-se de Akon. A amizade intensificou-se e Akon era para Mohamed como um confessor. Mohamed abria-se ao amigo, contava suas peripécias e aventuras no Cabaret, sua paixão recolhida pelas dançarinas etc. De outra banda, Akon adorava contar histórias da sua velha Senegal! Certa feita se lembrou de um fato que havia acontecido quando ainda era menino: Estava correndo com um amigo nas matas fechadas do Senegal quando lhes apareceu um leão ao longe. Ressabiados e amedrontados, os mesmos passaram a correr em disparada para dentro de uma casa de madeira cravada na selva a poucos metros de distância e sequer olhavam para trás. Quando adentraram a casa, bufando, cansados e exaustos viraram para trás e para a surpresa deles o leão continuava no mesmo lugar! Moral da história: A fama do Africano correr de leão não é à toa!

Em alguns dias, o amigo Senegalês saía de sua loja mais cedo para almoçar com Mohamed e passear na Place de Tertres, ali mesmo em Montmartre. E assim tornaram-se grandes amigos. Mohamed gostava muito de saber sobre os costumes do seu povo e também sobre a religião islã, que predominava em seu território.

Quando da formatura de Mohamed, além da tia Émile e de sua mãe, Mohamed fez questão de convidar Akon para a colação de grau e para a festa, fato inusitado, porque o mesmo estava sempre só.


                                                       Sorbonne


Depois de dois anos de muitas dificuldades, Mohamed finalmente ingressa na faculdade de Jornalismo da Sorbonne, no ano de 2008. E sente-se deslumbrado e ao mesmo tempo orgulhoso de cursar uma das melhores e mais bem conceituadas universidades do mundo.


Com a ajuda financeira do amigo senegalês, Akon e de sua tia Émile, embora o curso fosse gratuito por ser público, a despesa com o material de estudo era alta e a ajuda deles foi de extrema importância, já que o orçamento de Mohamed era bem apertado.

Veio o início das aulas, e Mohamed Husseim se viu obrigado a reduzir sua carga horária no Cabaret, negociando com o patrão para trabalhar apenas meio período, já que as aulas eram pela manhã.

Fundada em 1170, também uma das mais antigas do mundo, ao lado da Universidade de Coimbra. Ensino de excelência, tradição e quantidade limitada de estudantes por turma (em torno 25) são fatores que tornam o concurso de entrada extremamente difícil e bem conceituado.

Como já estava em Paris há dois anos e no Brasil já tinha iniciado os estudos da língua francesa, não sentiu dificuldades para bem cursar a faculdade naquela altura e mostrou-se um excelente aluno, destacando-se em muitas disciplinas internacionais, notadamente em jornalismo global e mídia, pois seu ótimo conhecimento de geopolítica e história lhe rendeu boas notas.

Mohamed estava se tornando um homem culto e letrado.

Cena 6 de preconceito

E durante todo o curso de jornalismo, Mohamed sofreu perseguições dos negros africanos de seu bairro. Ele só ganhou o respeito dos caras quando no último ano da faculdade resolveu fazer uma matéria com aqueles que o perseguiam, promovendo o movimento hiphop e os valorizando. Dali em diante, passaram a respeitá-lo e até a cumprimentá-lo afetuosamente. Na verdade, Mohamed percebeu depois de tudo aquilo que se tratava de medo. O preconceito que eles tinham era gerado pelo medo de não serem aceitos, como forma de proteção. Todas as vezes que Mohamed sofreu preconceito ele rezou e pedia a Deus forças para continuar a enfrentá-los e pela conversão dos mesmos. Anote-se que também sempre existiu o reverso da moeda, ou seja, os brancos franceses, em sua grande parte, não gostavam da mistura de raças e eram contra os imigrantes, mesmo aqueles provindos de colônias francesas como Senegal, Costa do Marfim etc.
Tudo aquilo o ajudou a superar as barreiras do preconceito e da aceitação social.

A namorada Adilah

E foi no ambiente universitário que Mohamed conheceu ADILAH, uma linda jovem afegã, de proveniência muçulmana, de cor escura, cabelos longos ondulados, medindo 1,68cm, 55 kg, nariz afilado, lábios finos, usava meia burca. Filha de muçulmanos fundamentalistas radicais afegãos.

Quando pequena sofreu com os conflitos internos e a ocupação soviética, mas depois, pelo fato do pai pertencer ao exército Talibã, acabou aprendendo técnicas de guerra e apaixonou-se por movimentos bélicos, principalmente pelo estudo das estratégias soviéticas de ocupação.

Adilah morava num lugar mais afastado, subúrbio ao Norte de Paris, próximo à Catedral de Saint Denis (Uma das principais igrejas de Paris, construída no século VII e reconstruída no XIII e aonde estão sepultados a maioria dos reis da França a partir do século X).

A primeira vez que Mohamed viu Adilah foi inesquecível.

Segundo ano de curso de jornalismo, intervalo longo entre uma aula e outra. Os dois tiveram a mesma ideia, isto é, sair para fora dos portões da Sorbonne e dar uma rápida caminhada no Jardim de Luxemburgo, localizado bem próximo ao Campus.

O Jardim é o maior parque público da cidade e possui lindas flores, estátuas, lagos, um palácio e é onde está localizada atualmente a sede do Senado.

Pois bem, Mohamed, tímido, calado, apenas apreciava a fonte do Jardim quando Adilah passou em sua frente, vestindo meia burca (preta) e vestido longo branco e preto. Do ângulo de observação de Mohamed só dava para enxergar os sapatos de Adilah. Mas ele sentiu um olor agradável, um perfume cheiroso que o encantou!

Tomou coragem, seguiu-a por mais uns passos e formulou uma pergunta, com medo da resposta:

 - A senhora sempre vem aqui?

Os dois se entreolharam e ela o reconheceu e contou que como ela estava sempre de burca ele não conseguia saber quem era ela, porém ela já o fitava nos bancos universitários há mais de um ano! Quando ela contou isso os dois riram a valer! Parecia que ali estava iniciando um encantamento, uma magia!

Adilah adorava estudar a história de seu país e debruçava-se atualmente sobre as questões militares soviéticas e a influência das tropas em seu território.

Quando Mohamed começou a refletir, viu-se novamente num conflito religioso, pois tinha em seu pai a figura do Islã, que, mesmo distante, ainda o influenciava, talvez mais pelo sangue do que por convicção e de outro lado sua formação cristã-católica.

O fato é que passaram a namorar e entre idas e vindas, o namoro não durou muito, cerca de um ano e logo se afastaram, em razão das diferenças religiosas e também pelo ciúme dela, que não admitia que ele trabalhasse num Cabaret. Ele ainda tentou contornar a situação, mas ao mesmo tempo não podia largar o emprego que o mantinha.

Assim que se conheceram começaram a sair. Como moravam em pontos distantes e não dispunham de carro, combinavam sempre um lugar para se encontrar, próximo ao Sena, na margem esquerda. Dali partiam para passeios à beira-rio, passeios de bateaux mouches, cafés, jantares etc.

Conversavam muito, mas pouco se entendiam. Na verdade havia mais uma atração física do que propriamente confluência de ideias.

Afinal, Mohamed queria seguir o Cristianismo e Adilah não abria mão de suas raízes islâmicas e procurava convencê-lo do contrário. De tal sorte que, muitas vezes seus passeios terminavam em brigas constantes, o que desgastava sobremaneira o relacionamento do casal.

Muitas vezes ao chegar em casa depois de uma discussão orava a Deus para que o iluminasse e para que ele soubesse realmente se deveria continuar a namorá-la. Outras vezes ele passava por qualquer igreja, ajoelhava-se diante do sacrário, lembrando de Lanciano, e pedia ao Senhor forças para continuar o seu relacionamento.

Durante o curso, encontravam-se cerca de uma hora antes do início das aulas e seguiam juntos até a Sorbonne. Nos meses seguintes, os dois foram se afastando naturalmente e já não existia mais amor. E o destino foi-lhes cruel quando Adilah recebeu um convite de trabalho para viver e trabalhar em sua terra natal, Cabul. Foi o fim do namoro.

A enfermidade

Após o término do namoro com Adilah, Mohamed caiu em depressão por cerca de três meses. Foi o único momento de sua vida que duvidou da existência de Deus e quase pôs tudo a perder. Demorou a recuperar sua sanidade completa e, na verdade, não podia desperdiçar tudo aquilo que aprendeu e todo o conhecimento do Evangelho e da vida de Jesus. Ele que tinha visitado museus e igrejas, templos, lido diversas obras a respeito da religião católica não poderia se abalar com um fracasso pessoal. Tia Émile, nesse período, pôs-se a fazer o caminho inverso, visitando-o aos finais de semana, sempre que possível.

Depois do conturbado namoro, uma vez superada a depressão, Mohamed se concentrou mais nos estudos até finalizar o curso de jornalismo com excelentes notas, o que lhe rendeu posteriormente a imediata admissão no Jornal Charlie Hebdo.

                                             
CAPÍTULO VI

A subida à Tour Eiffel

A subida na Torre Eiffel ele queria fazer sozinho. Era uma questão de honra. Ele tinha aquele passeio como um amuleto. Como algo que não poderia se distrair em nenhum momento, porque seria atender a um pedido de sua mãe! E assim o fez.

Certo dia, no verão, tirou uma folga apenas para apreciar e curtir a torre, saindo cedo de casa e o céu estava azul, de brigadeiro. Retornou só à noite.

Segundo a história, em 1889, deu-se a construção da Tour Eiffel, pelo engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923). A torre foi construída para impressionar os visitantes da Exposição Universal de 1900. Ao mesmo tempo, construíram o Grand Palais e o Petit Palais, prédios que abrigaram duas enormes exibições de pinturas e esculturas. A torre, símbolo gravado no inconsciente coletivo, tem suas curiosidades: 320 metros de altura; 1.652 degraus; está estruturada com 2,5 milhões de rebites; nunca balança mais do que 12 centímetros; pesa 10.100 toneladas e são usadas 40 toneladas de tinta cada vez que é necessário pintá-la. Fica na margem do rio Sena e na extremidade do Champs de Mars (Campo de Marte), onde um dia Santos Dumont desafiou a gravidade.

Desde o solo, Mohamed sentiu aquele friozinho na barriga e ao mesmo tempo uma plenitude em sua alma. Parecia que seu corpo estava mais leve. A vista do elevador era algo indescritível. A primeira parte (ou primeiro estágio) já é deslumbrante. Ele curtia segundo a segundo, fazendo um giro de 360º pela torre, mirando os principais pontos de Paris.

Foi bom ele deixar para visitá-la bem mais tarde do que quando lá se fixou, porque agora podia reconhecer de lá do alto cada ponto importante, cada boulevard ou grande avenida de Paris. Fechando um dos olhos, podia como que abraçar a Gare du Nord e a Sacré Coeur, o que lhe deixava excitantemente feliz.

Na descida do torre, Mohamed trombava com muita gente, pois, além de ser um ponto turístico cheíssimo de gente, Mohamed também não tinha muita consciência corporal, e estava sempre a esbarrar sem querer nas pessoas, o que lhe causava uma vergonha imensa.

Foi um dos dias mais felizes da vida de Mohamed Petit.


Visitando o Louvre

O museu do Louvre é considerado o mais importante museu do mundo e um dos maiores também.

É onde se encontra a Monalisa, a Vitória de Samotrácia, a Vênus de Milo, enormes coleções de artefatos do Egito antigo, da civilização greco-romana, artes decorativas e aplicadas e numerosas obras-primas dos grandes artistas da Europa como Ticiano, Rembrandt, Michelangelo, Goya e Rubens, numa das maiores mostras do mundo da arte e cultura humanas.

O museu abrange, portanto, oito mil anos da cultura e da civilização tanto do Oriente quanto do Ocidente.

O Louvre é gerido pelo estado francês através da Réunion des Musées Nationaux. É o museu mais visitado do mundo, recebendo 8,8 milhões de visitantes em 2011 e 9,7 milhões de pessoas em 2012.

Por ser gigantesco e abranger numerosas obras, o mesmo é dividido em departamentos, quais sejam: Antiguidade oriental, Egito, Gregos, Etruscos e Romanos, Arte do Islã, Esculturas, Objetos de arte, Pintura e Artes gráficas.

O museu possui três alas. Quando estiver dentro da pirâmide, a pessoa vê três entradas e três escadas rolantes que vão dar acesso às alas do museu: Galeria Denon, Galeria Sully e Galeria Richelieu.

O acervo do Museu do Louvre possui mais de 380 mil itens e mantém em exibição permanente mais de 35 mil obras de arte, distribuídas em oito departamentos. A seção de pintura é a segunda maior do mundo, logo atrás do Museu Hermitage (em São Petersburgo), com quase 12 mil peças, sendo que delas 6 mil estão em exposição permanente.

Portanto, nas primeiras visitas ao Louvre, Mohamed pouco aproveitou, pois se perdia a todo tempo, procurando retomar a visitação, o que demorava alguns minutos. Ele, com seu jeito atrapalhado, sem consciência corporal, muitas vezes acabava por ser observado pelos outros como sendo uma pessoa, de fato, esquisita!

Na entrada, logo no início da visita, procurava centrar a visitação na Arte do Islã e também em pinturas italianas e esculturas romanas, de onde vinha compondo sua formação religiosa e convicção cristã-católica. Passava, às vezes, muito tempo apreciando apenas um quadro, como a Santa Ceia, de Da Vinci, o que lhe remetia às sagradas escrituras e também à obras fictícias como a História de Dan Brown que assombrou o mundo: O Código Da Vinci. Além dessa, adorava apreciar a Ceia de Emaús, de Rembrandt; O Calvário, de Mantegna, As bodas de Caná, de Veronese e A morte da Virgem, de Caravaggio.

Mohamed era capaz de passar horas apreciando e andando através dos enormes corredores do museu sem ao menos se lembrar de usar o banheiro ou comer! Aquilo era fascinante! O fato de se perder nas galerias o deixava ainda mais excitado, porque o incitava ao conhecimento cada vez maior das obras do museu. Sabia que teria de repetir muito mais visitas para ter um mínimo de familiaridade com tudo aquilo.

Para Mohamed, as coisas antigas o fascinavam muito mais do que as invenções atuais e a alta tecnologia moderna.

Mohamed era daquele tipo de pessoa que preferia um livro a um pc moderno.

Na parte da Arte islâmica, destacavam-se uma caixa de marfim e prata, proveniente da Espanha muçulmana, do ano de 966. A Píxide de al-Mughira. É o departamento mais recente do museu, mas sua coleção de mais de 6 mil itens cobre 13 séculos de história da arte islâmica da Europa, Ásia e África, entre vidros, metais, madeiras, tapetes, cerâmicas e miniaturas. Das suas peças se destacavam como principais, além da caixa de marfim da Andaluzia; o Batistério de Saint-Louis, uma bacia de metal do período Mamluk; fragmentos do Shahnameh, um poema épico de Ferdusi escrito em persa, e o Vaso Barberini, um vaso de metal da Síria.

Uma outra ala que fascinava tanto Mohamed quanto sua namorada Adilah era a Egípcia. Havia salas inteiras de múmias, sarcófagos, tumbas e réplicas de peças do Egito Antigo. Coisas que levavam longe a mente de Mohamed.


Cena 4 de preconceito

Como Mohamed fixou-se no lado norte da cidade, próximo à Gare du Nord, também foi obrigado a conviver com os africanos segregados, os quais tinham formado um "gueto" por lá. Estes não só discriminavam os brancos, estrangeiros, judeus, muçulmanos, como também eram discriminados pelos brancos franceses. E se comportavam como se fossem donos das ruas, das lojas, do idioma; enfim, de tudo! Demonstravam forte preconceito, principalmente com turistas e com pessoas adeptas do Islã. E com Mohamed eram sempre truculentos. Já o conheciam e de longe já iniciavam as gozações e as perseguições. Mohamed, muitas vezes, era obrigado a mudar o seu trajeto para que eles não o vissem, fugindo assim e evitando brigas desnecessárias.

Cena 5 de preconceito

Mas a vida em Paris não se resumia só em coisas boas. Houve muitos infortúnios e momentos complicados na vida de Mohamed.

Além do preconceito por ser estrangeiro, sendo tratado de forma grosseira por muitos franceses, havia o fato de viver num bairro de periferia, onde os segregados habitavam e formavam uma espécie de clubinho.

Via de regra, quando saía de casa, Mohamed já se deparava com os olhos do preconceito.

A maioria dos negros africanos de seu bairro o odiavam e viviam o perseguindo, fazendo ameaças de agressão, mandando-o sair de lá, afirmando que lá não era lugar de maricas. Posicionavam-se frente ao rapaz e punham-se a ameaça-lo, aumentando o tom de voz, fazendo trejeitos que levavam a crer que iriam agredi-lo. Isso o assustava muito! Esses homens, africanos, provenientes dos países mais pobres da África, notadamente do lado norte, muitas vezes já possuíam nacionalidade francesa ou já eram, inclusive, franceses, filhos de imigrantes ilegais, mas o preconceito permanecia patente e não admitiam que invadissem o “território” deles.Eles, muitas vezes também segregados, também procuravam defender-se de eventuais preconceituosos, invasores ou delatores e acabava se tornando um círculo vicioso. Faziam discriminação porque eram discriminados e vice-e-versa.
A sorte de Mohamed é que não havia de usar o metrô para trabalhar, porque o Cabaret ficava perto de sua casa.

Sorbonne ficava muito distante de sua residência, do outro lado do Sena e o único caminho para ele que não tinha carro era realmente usar o metrô. E era exatamente nessa caminhada que os locais apavoravam Mohamed, com xingamentos, empurrões, ameaças e até agressões físicas mesmo, até antes das catracas Mohamed sofria perseguições diárias. Havia um grupinho deles, do movimento hiphop, revoltados e arruaçeiros, de que Mohamed tinha pavor. Eles o seguiam até a estação e passavam rasteira no mesmo, faziam pequenos furtos na sua mochila e o empurravam. Mohamed procurava evitar fazer sempre o mesmo caminho para não ter que encontrá-los todos os dias.


CAPÍTULO VII

Visitas à tia Émile

Depois do primeiro ano em Paris, tendo algum contato com sua tia Émile apenas por telefone, Mohamed, ou Le Petit (para tia Émile), resolveu fazer visita-surpresa e partiu conhecer a região da Normandia, onde Émile vivia em companhia de seu cãozinho.

Saiu de Paris numa sexta-feira e tomou o RER direto para Rouen. Mal sabia ele que esta situação se repetiria por muitas vezes.

Rouen está localizada no noroeste da França. Uma das mais prósperas cidades do norte europeu na Idade Média, Rouen é hoje a capital da alta Normandia e do departamento do Sena Marítimo. Hoje é uma cidade que conta com pouco mais de 500 mil habitantes.

O passeio de trem não durou mais do que uma hora e depressa chegou em seu destino. De lá foram mais quinze minutos a pé até chegar diante da residência de Tia Émile.

Tia Émile era uma distinta senhora, solteirona por convicção e extremamente educada. Mulher conservadora, de costumes clássicos, media pouco mais de 1,60m, usava apenas vestidos longos e sapatos finos, embora não fosse rica, primava pela sobriedade no comportamento.

Quando bateu na porta, ouviu o latido de Pigalle, o cãozinho. Inesperadamente tia Émile abriu, como se fosse o carteiro ou alguma vizinha e deparou-se com Mohamed.

Era ele, o seu sobrinho, Le Petit! Ela ficou surpresa e abraçou-o afetuosamente, levando-o direto para a cozinha para uma xícara de chá.

Conversaram horas a fio e naquele dia mesmo Mohamed Le Petit retornou à sua casa.

Com o tempo, passou a visitá-la com mais regularidade e ela sempre o esperava para o chá ou para a ceia, sempre com calorosos e agradáveis bate-papos. Isso fazia muito bem para ela, afinal, caía bem para uma senhora sozinha, carente alguns momentos felizes ao lado de um membro da família.

Mohamed também gostava, pois via na tia Émile um "porto seguro", além, é claro, de algumas semelhanças físicas com a mãe, o que remetia à boas lembranças de sua mãe.

Pois bem, nessas conversas com tia Émile, Le Petit contava para a tia suas experiências profissionais e pessoais. Reportava-se à sua triste infância, às perseguições no colégio e também do bullying que continuava sofrendo na França. Contudo, falava também de seus estudos de jornalismo, de sua tentativa de conhecer melhor a religião católica, do seu afastamento da religião islã, de sua paquera com Nadine e depois de sua namorada Adilah. Nas primeiras visitas Mohamed era mais acanhado, permanecendo em companhia da tia apenas por algumas horas. Porém, com o passar do tempo, após alguns meses, o mesmo ficava o final de semana inteiro em companhia de tia Émile e aproveitavam para curtir um pouco a cidade, passear nos bares, cafés e ir à missa aos domingos. Rouen era uma cidade bem mais calma e tranquila do que Paris, típica das pequenas cidades do interior da França. E o melhor, por lá não haviam africanos que o aborreceriam. Mohamed até pensava em mudar-se prá lá, mas sua vida já estava consolidada em Paris.

Tia Émile, assim como sua mãe, era uma exímia cozinheira e sempre preparava pratos típicos da culinária normanda, que compunham o seguinte menu:

Tripes à la mode de Caen (tripas cozinhadas em molho de vinho e Calvados) ou Auvérnia Auvergne ou Tripoux (pedaços de tripas em molho saboroso) ou Truffade (atatas salteadas com alho e queijo tipo "tomme") e ainda Aligot (puré de batatas misturadas a queijo "tomme").

Le Petit se deliciava nos jantares com a tia, pois saia do trivial. Afinal, morando só, ganhando pouco, não podia se dar ao luxo de sempre comer tão bem e passava o dia muitas vezes com apenas uma baguete ou pequena refeição.

Assim, nas vezes em que Mohamed passava o final de semana por lá, pegava o último RER de Domingo direto para Paris com destino à Gare du Nord.

Algumas vezes Tia Émile o visitava em Paris, mas era raro. Ela gostava mesmo da vida pacata e pastoril da bucólica Rouen. Todas as vezes que em Paris estava, sentia certo pavor da multidão de turistas, do trânsito, da loucura da cidade grande. Por assim dizer, Mohamed já acostumado com a vida em Paris, acabava procurando um refúgio nos finais de semana, para sentir o frescor de um ar mais puro e uma cidade mais leve e calma.

Rouen era daquelas cidades em que o tempo passa mais devagar, onde se saboreia melhor o gosto da comida e o aroma do vinho e do café. Onde a conversa ao pé do ouvido fluia de forma natural e onde se ouvia, de longe, o latido do cãozinho e o abanar de seu rabo para o dono.

Quando chegava de volta a Paris sentia certa nostalgie.


Iniciando a sua conversão

Passado pouco mais de um ano vivendo em Paris, perambulando sem rumo, ao sabor do vento, Mohamed Le Petit descobriu, sem querer, uma linda igreja na Rue du Bac. Ele adorava passear por lá, onde aliava diversão, cultura e oração. Desde o Sena, rumava "subindo" a famosa Rue du Bac, passando pela igreja mais antiga de Paris, a abadia de Saint Germain des Pres (datada do século VI e onde teria guardado pedaços da cruz de Cristo). Podia mirar lindas boutiques, alguns dos melhores restaurantes e patisseries e finalizava seu passeio no número 140 visitando a Capela da Medalha Milagrosa, onde Santa Catarina Labourè descansa eternamente com seu corpo intacto e incorrupto (conta a história que Catarina viu Nossa Senhora das Graças por 3 vezes e que ela teria pedido a confecção das medalhas.).

Mohamed passava bastante tempo agaixado diante da Santa, orando. A primeira vez que lá esteve foi como um resgate de tudo aquilo que sua mãe falava em sua infância. A beleza da pequena Capela e principalmente o clima de oração que ela guardava (chamada da Medalha Milagrosa) era intenso e com forte carga de fé. Talvez tenha sido o momento do início de sua conversão. A Capela vivia repleta de irmãs, religiosos e leigos, todos em um clima de muita devoção e fé.

Com o tempo, mais adaptado à vida Parisiense e mais culto, já não desembestava a caminhar e sim a flanar pelas principais ruas de Paris, resgatando o que a cidade-luz tinha de melhor!

Ao tempo em que ia estudando e vivendo em Paris, tomava conhecimento da história da igreja, visitando museus, viajando pela Europa e convertendo-se ao Catolicismo. Mohamed não faltava mais às missas, rezava o terço diariamente, ajudava um asilo de inválidos e devorava a leitura da Bíblia.

A sua conversão intensificou-se após o término do namoro com Adilah, três meses depois de superada a sua depressão, quando então passou a se dedicar mais aos estudos de jornalismo e do catolicismo. Suas visitas às igrejas e ao Louvre e sua vontade e sede de conhecimento lhe fazia superar os preconceitos e discriminações que passava diuturnamente. Ao mesmo tempo, crescia no íntimo de Mohamed a vontade de satirizar os ensinamentos de Maomé e a radicalidade dos fundamentalistas do islã. E foi assim que Mohamed vivenciou sua verdadeira conversão, estudando, praticando a religião, fortalecendo sua fé através da prática do bem, do amor, frequentando a igreja, com missas, apreciando os milagres, as obras e arte sacra.

O amor pela maior oração: A MISSA

         O Grande Milagre se renova a cada dia, em todos os lugares do mundo, em diversas capelas pequenas ou em majestosas catedrais: a transubstanciação na consagração do pão e do vinho na missa!

         Não existe maior oração ao Senhor do que a missa. E foi nela que Mohamed foi-se concentrando e se apaixonando pelo Senhor Eucarístico, reconhecendo o Grande Milagre.
        
         Foi da missa que tirava os trechos do evangelho e as reflexões que mais faziam sentido, como:

“Fazei isto em memória de mim” 1 Cor 11,23
“E quando eu for levantado da Terra atrairei todos os homens a mim” Jo 12,32
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”  Mt 18-20
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” Jo 6,56

         Por isso, Mohamed ligava, a todo instante, os ensinamentos de Jesus com o tempo presente, evocando os versículos da Bíblia mentalmente, repassando cada parte do Evangelho em suas orações como um “mantra” um “jaculatória”.
         E é sempre bom lembrar que Jesus de Nazaré vive em nós, a partir do momento que lho damos oportunidade, começamos a sentir a paz e o amor do Senhor. Ele deu a sua vida e derramou o seu sangue para nos libertar dos nossos pecados.

Capitulo VIII

Visitando o Arc Triomphe

Em 1836 foi inaugurado o Arc de Triomphe, na Place de L’Etoile. O famoso arco foi encomendado por Napoleão para celebrar a batalha de Austerlitz. Os alemães o cobriram com suas suásticas durante a ocupação. Nesse endereço foi celebrado o fim das duas guerras mundiais e também foi desse ponto que o General Charles de Gaulle saiu para sua triunfante caminhada pela Avenue Champs-Elysées, quando a França foi libertada. E quando das longas caminhadas de Mohamed o mesmo gostava de sair desde a Rue de Rivoli, beirando o jardim de Tullieres, passando pela praça do Obelisco, cruzando-a e seguindo rumo à Champs-Elysée. Subia lentamente, apreciando a sombra das árvores, os palácios reais (Le Grand e Le Petit=com seu sobrenome), até chegar ao início da avenida mais glamorosa da cidade. Passava pelas boutiques e grandes lojas. Não rara as vezes que parava por alguns instantes nos cruzamentos a fim de apreciar a beleza daquele local, principalmente ao cair da tarde, quando as luzes se acendiam e aquele era mais um pedaço da linda capital francesa que reluzia diante de seus olhos. Ao fundo, além do por-do-sol, via que majestosamente estava ali um grande arco, símbolo de poder e glória bélicas de outrora e que agora apenas fazia uma sombra magnífica sobre os dois lados da grande avenida. Mohamed sempre parava no mesmo restaurante e pedia sempre o mesmo cardápio. Era, por assim dizer, deveras sistemático e metódico e até certo ponto supersticioso.


CAPÍTULO IX

O estágio no renomado Charlie Hebdo

Em 2010, após o terceiro ano do curso de jornalismo da Sorbonne, Mohamed havia terminado o namoro com Adilah, largava o trabalho no Cabaret e iniciava um estágio junto ao semanário Charlie Hebdo (com ideias revolucionárias e satíricas). Foram dois anos de muito aprendizado e muitos conflitos idealistas. Após o que, se tornou assistente e posteriormente jornalista-colunista. Já em 2006, o polêmico semanário havia sido duramente criticado por publicar charges ironizando o profeta Maomé. Cinco anos depois, em novembro de 2011, a sede do semanário foi atingida por um coquetel Molotov, que causou um incêndio e danificou seriamente o edifício. Portanto, o Charlie Hebdo sempre foi considerado de ideário “anarquista de esquerda” e vem causando furor na França, onde vive a maior comunidade de muçulmanos da Europa – seis milhões, pouco menos de 10% da população total do país. O jornal satírico tornou-se protagonista frequente no caloroso debate que tenta definir a fronteira da liberdade de expressão e a provocação ofensiva. Criar polêmica é quase a razão de sobrevivência do tabloide de tiragem reduzida (45.000 exemplares por semana, 11.000 assinantes). O jornal precisa vender, no mínimo, 30.000 exemplares por semana para empatar com as despesas. Entretanto, a polêmica configura também a oposição entre a velha tradição anticlerical francesa e outra, ainda mais antiga, a do Islã que não admite nem representação figurativa de Alá. É nesse contexto, que Mohamed já estava envolvido, não tinha mais como deixá-lo. Funcionava mais ou menos como a pessoa que entra para o crime organizado. Ele sabe a porta de entrada, mas não sabe a de saída. Portanto, Mohamed foi sendo envolvido cada vez mais pela cúpula "pensante" do semanário, de forma que não podia mais se expor e expor suas ideias, ainda que contrárias ao que se publicava. Inicialmente, Mohamed havia achado interessante a crítica, a contestação etc. Porém, com o passar do tempo e mesmo depois do ataque de 2011, Mohamed viu-se sem saída.


TITULO III

CAPÍTULO I

Continuando a conversão: O conhecimento de JESUS através dos milagres eucarísticos:

O milagre de Lanciano

Mohamed sempre ouviu sua mãe contar diversas histórias sobre santos e milagres. Mas a história do Milagre Eucarístico de Lanciano sempre o intrigou mais. E agora, morando na Europa, poderia confirmá-lo, o que o fez em na primeira viagem para a Itália, ainda antes de conhecer Adilah.

Trata-se de um verdadeiro milagre, onde a hóstia se transformou em carne humana e o vinho em sangue humano, durante uma missa.

O Milagre Eucarístico de Lanciano ocorreu no século VIII, na cidade italiana de Lanciano. Tal fato foi reconhecido como milagre pela Igreja Católica. A Hóstia-carne permaneceu, como assim o permanece até hoje, conservada, apresentando uma coloração ligeiramente escura, tornando-se rósea se iluminada pelo lado oposto, com uma aparência fibrosa; o sangue-vinho era de cor terrosa, entre amarelo e o ocre, coagulado em cinco fragmentos de formas e tamanhos diferentes. Inicialmente essas relíquias foram conservadas num tabernáculo de marfim e, a partir de 1713 até hoje passaram a ser guardadas num ostentório de prata, e o sangue, num cálice de cristal. Após uma série de análises e constatações, o parecer foi publicado em "Quaderni Sclavo di diagnostica clinica e di laboratório", 1971 fasc. 3, Grafiche Meini, Siena, afirmando tratar-se de um milagre comprovado e inexplicável, o documento diz ainda: A carne é carne verdadeira. O sangue é sangue verdadeiro. A carne seria do tecido muscular do coração (contém, em seção, o miocárdio, endocárdio, o nervo vago e, no considerável espessor do miocárdio, o ventrículo cardíaco esquerdo). A carne e o sangue seriam do mesmo tipo sangüíneo (AB) e pertencem à espécie humana. No sangue teriam sido encontrados, além das proteínas normais, os minerais cloreto, fósforo, magnésio, potássio, sódio e cálcio. As proteínas observadas no sangue teriam sido encontradas normalmente fracionadas em percentagem a respeito da situação seroproteínica do sangue vivo normal. Ou, seja, é sangue de uma pessoa viva. A conservação da carne e do sangue, deixados em estado natural por doze séculos e expostos à ação de agentes físicos, atmosféricos e biológicos constituiria um fenômeno extraordinário. Outro fato interessante é que os cinco fragmentos, ao serem pesados têm exatamente o mesmo peso, não importa a combinação com que se pese. Por exemplo, tanto faz pesar um, dois ou todos fragmentos juntos, eles têm o mesmo peso. Supõe-se que o sangue "AB" é o tipo de sangue encontrado no Santo Sudário. Este tipo de sangue é muito comum no povo Judeu, em Israel. O Milagre Eucarístico de Lanciano é considerado um dos mais famosos milagres eucarísticos relatados pela Igreja Católica, porém não é o único: aproximadamente 130 milagres eucarísticos foram relatados. Conta-se que na cidade de Cássia, na Itália, também já aconteceu um fenômeno parecido. Outros milagres eucarísticos: Com o tempo, Mohamed foi se aprofundando no conhecimento dos milagres, acrescentando outros tantos em seu universo de conhecimento. E assim, tinha cadastrado diversos outros milagres, como estes a seguir expostos em seu livreto de anotações: "Orvieto – Bolsena – Itália – 1263, Ferrara – 28/03/1171, Offida – Itália – 1273, Sena – Cáscia – Itália – 1330, Turim – Itália – 1453, Sena – Itália – 1730, Milagre Eucarístico de Santarém – Portugal (1247), Faverney, na França, em 1600 e em Stich, Alemanha, 1970.

Mohamed chegou cedo ao Santuário do Milagre Eucarístico. Era uma igreja franciscana, sem riquezas, sem tantas obras de arte, mas a beleza não foi esquecida. A curiosidade levou-o imediatamente ao altar, mas um guia explicou-lhe que antes de ver a relíquia, deveria assistir a um documentário em sala anexa e daí chegou o momento de ver o ostensório, a âmbula.

Foi impressionante ver a imagem de algo tão simples, mas fascinante. Mohamed, como um homem de fé, ficou encantado e ajoelhou-se no mesmo instante e ficou horas e horas contemplando o sangue e o corpo de Cristo vivo naquela hóstia tão especial.

Esse foi um dos muitos momentos que compuseram a sua conversão.

A arte como expressão da verdade de fé:

Mohamed sabia muito bem que juntamente com os milagres eucarísticos, a fé também pode ser expressada e até reforçada através da arte sacra. E assim, as visitas em cidades e países cristãos, onde estão localizados museus, igrejas, basílicas, santuários, conventos, mosteiros católicos etc., podiam ser uma forma interessante e fácil de conversão. E foi assim que Mohamed foi consolidando a sua fé em Cristo e conhecendo a verdadeira história da igreja. A respeito disso, Mohamed gostava sempre de ler os trechos de A 51.1 até A 52 do catecismo da igreja católica, sobre a arte sacra, que ensinam:

"§2500 A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela contém de indizível, as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus se lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista descobrem , "a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação de seu Autor" (Sb 13,5), "pois foi a própria fonte da beleza que as criou" (Sb 13,3).

A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Todo-Poderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol, supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua formosura (Sb 8,2).

§2502 A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por sua forma, à sua vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente de Deus, beleza excelsa invisível de verdade e amor, revelada em Cristo, "resplendor de sua glória, expressão de seu Ser" (Hb 1,3), em quem "habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2,9), beleza espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, nos anjos santos. A arte sacra verdadeira leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus Criador e Salvador, Santo e Santificador.


§2503 Por isso devem os bispos, por si ou por delegação, cuidar de promover a arte sacra, antiga e nova, sob todas as formas, e afastar, com o me mo zelo religioso, da liturgia e dos edifícios do culto, tudo o que não harmoniza com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte sacra.

§2513 As artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, "por natureza, exprimir de alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de contribuir poderosamente para encaminhar os corações humanos a Deus."

A.51.2 Semelhança da arte com a atividade divina na criação

§2501 "Criado à imagem de Deus", o homem exprime também a verdade de sua relação com o Deus Criador pela beleza de suas obras artísticas. A arte de fato é uma forma de expressão própria mente humana; acima da procura das necessidades vitais, com a todas as criaturas vivas, ela é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Nascendo de um talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é um forma de sabedoria prática, que une conhecimento e perícia para dar forma à verdade de uma realidade na linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança cor a atividade de Deus na criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor das criaturas. Como qualquer outra até atividade humana, a arte não tem um fim absoluto em si mesma mas é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem.

A.52 Árvore do bem e do mal

§396 Deus criou o homem à sua imagem e o constituiu em sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade como livre submissão a Deus. E o que exprime a proibição, feita ao homem, de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, "pois, no dia em que dela comeres, terás de morrer" (Gn 2,17). "A árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gn 2,l7) evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e respeitar com confiança. O homem depende do Criador, está submetido às leis da criação e às normas morais que regem o uso da liberdade.".


CAPÍTULO II

Alguns trechos da BÍBLIA que marcaram a conversão de Mohamed

Entre outras leituras, a BÍBLIA sempre foi uma leitura obrigatória e benvinda a Mohamed.

A Bíblia é o livro mais vendido do mundo. Com mais de 6 bilhões de cópias vendidas, as Palavras de Deus são referências para os cristãos e todos aqueles que creem no evangelho de Jesus Cristo. A Escritura Sagrada possui ao todo 66 livros, sendo dividida em dois momentos, o Antigo testamento e Novo testamento. No Antigo testamento são encontrados 39 livros, já no Novo Testamento 27. São mais de 31 mil versículos. 

Desde cedo, quando pequeno, sua mãe já lhe ensinara que a Bíblia não é a palavra de Deus, mas muito mais do que isso, é DEUS QUE FALA! Também aprendeu que as palavras do Evangelho são sempre novas e atuais e aplicáveis ao nosso cotidiano.

Desta forma, habitualmente Mohamed lia o livro sagrado e ia retirando trechos e os colocando em seu diário, como os a seguir:

1- João 3:16
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
2 – Jeremias 29:11
Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais.
3 – Romanos 8:28
E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a  Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.
4 – Filipenses 4:13
Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.
5 – Gálatas 5:22
Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade e fidelidade.
6 – Provérbios 3:5
Confia no SENHOR de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.
7 – Provérbios 3:6
Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.
8 – Romanos 12:2
E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
9 – Filipenses 4:6
Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças.
10 – Mateus 28:19
Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
11 – João 14:6
Jesus respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida Ninguém vem ao Pai senão por mim .
12 – Hebreus 11:6
Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam.
13 – Salmo 46:1
Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.”
14 – Salmo 125:1
Os que confiam no SENHOR serão como o monte de Sião, que não se abala, mas permanece para sempre.
15 – Isaías 55:6
Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto.
16 – Romanos 12:21
Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem.
17 – I Coríntios 13:1
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine.
18 – Romanos 6:23
Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.
19 – I Coríntios 2:9
As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam.
20 – Salmo 22
O Senhor é o meu Pastor e nada me faltará.

Viagem de Mohamed à Roma/Vaticano

Para curar a dor do amor perdido, Mohamed decidiu viajar para Roma a fim de reforçar e aprofundar o estudo da história e doutrina da igreja católica e conformar-se ao amor maior, o AMOR DE CRISTO. Afinal, sua fé havia sido abalada pela tristeza da perda de Adilah e ele precisava de um alento para curar seu coração.

A atmosfera de fé que esperava encontrar nas pessoas e nas Chiesas italianas não exsurgiu. Percebia a frieza dos europeus, que precisavam de uma "injeção de ânimo e de fé".

Julgava estranho o fato de Jesus ter habitado tão proximamente deles e a igreja de CRISTO ter sido tão presente no passado naqueles locais e ao mesmo tempo a frieza tão inerente aos europeus.

Lembrava-se de São Paulo, do Brás, onde fiéis aglomeravam-se para assistir as missas. Isso lhe causava uma sensação paradoxal, pois se entristecia com o desânimo do povo europeu, contudo se alegrava em constatar a fé e a religiosidade do povo brasileiro. A sua convicção, embora tivesse sido abalada por um dado momento, nessa viagem foi reforçada e daí em diante crescia a cada dia, porque agora Mohamed podia mensurar que a palavra de CRISTO e a Igreja são eternas e perenes.

Mohamed percebia na arquitetura dos templos, na duração e na atualidade das leis cristãs, na divulgação da vida de Cristo em obras de pinturas, esculturas que traduziam fielmente as sagradas escrituras, o Evangelho.

A cidade de Roma abrange mais de dois mil e quinhentos anos de história, desde a sua lendária fundação em 753 a. C. Roma é uma das mais antigas cidades continuamente ocupadas na Europa e é conhecida como "A Cidade Eterna", uma ideia expressa por poetas escritores da Roma Antiga.

No mundo antigo, foi sucessivamente a capital do Reino de Roma, da República  Romana e do Império Romano e é considerada, ao lado de Atenas, um dos berços da civilização ocidental.

Desde o século I, a cidade é a sede do papado e no século VIII a cidade tornou-se a capital dos Estados Pontifícios, que duraram até 1870. Em 1871, Roma se tornou a capital do Reino da Itália e em 1946 a República Romana. Após a Idade Média, Roma foi governada pelos papas Alexandre VI e Leão VI e Leão X, que transformaram a cidade em um dos principais centros do Renascimento italiano, juntamente com Florença.

A versão atual da Basílica de São Pedro, no Vaticano foi construída e a Capela Sistina foi pintada por Michelangelo.

Em 2007, Roma foi a 11ª cidade mais visitada do mundo, a terceira mais visitada da União Europeia e a atração turística mais popular na Itália. A cidade tem uma das melhores "marcas" da Europa, tanto em reputação quanto em patrimônio.

O seu centro histórico é classificado pela UNESCO como Patrimônio Mundial. Monumentos e museus tais como os Museus Vaticano e o Coliseu estão entre os destinos turísticos mais visitados do mundo, sendo que ambos os locais recebem milhões de turistas por ano.

Pois bem, como Roma é muito grande e quase tudo faz referência a algo histórico, obviamente que Mohamed não podia conhecer tudo, sendo que para ele, ganharam destaque tudo aquilo que era ligado à religião católica e à Santa Sé. Desta forma, Mohamed focou seu passeio na Basílica de São Pedro e a de São João de Latrão (a mãe de todas as igrejas - Sede da Diocese de Roma, tendo como bispo atual o Papa Francisco e onde estão sepultados mais de 20 papas). Também o museu do Vaticano impressionou muito Mohamed, que não conseguia tirar da cabeça aquela cena da criação do Mundo, de Michelângelo e os afrescos da Capela Sistina.

Visitando a Basílica do Santo Sepulcro

Como ponto culminante de sua conversão, no último ano da faculdade, no ano de 2012, em viagem de férias, Mohamed resolve em companhia de sua mãe, visitar a Basílica Mor da Cristandade, o Santo Sepulcro. A Basílica foi construída a mando de Constantino, no século IV, salvaguardando os cristãos de templos pagãos. Conta a história que foi lá, no Monte Gólgota, o local da crucifixão, morte e ressurreição de Jesus.

O Santo Sepulcro que se visita hoje, após períodos de guerras e destruição, foi arrumado pelos cruzados. A igreja foi danificada por um incêndio em 1808 e por uma terremoto em 1927, mas as três comunidades maiores (católicos, ortodoxos e armênios)somente entraram em acordo para reconstrução em 1959.

Era o sonho de Edith pisar na Terra Santa e sentir a vibração daquele lugar pessoalmente! Apesar de haver muitas críticas ao lugar, onde muitos pessoas não  convictas não sentem nenhuma vibração, para Mohamed e  sua mãe foi uma das experiências mais gratificantes de vivência da fé  cristã, marcante enquanto momento de profunda reflexão e conversão, onde sentiram a presença do Espírito Santo!

Mais do que a comunhão eucarística, a fé também é expressada através de um sentimento intangível que Mohamed aprendeu a reconhecer no seu “eu”.

Ao final da viagem à Israel, Mohamed ficou tão envolvido com a história da vida de Jesus que iniciou a leitura dos princípios da filosofia, de São Tomás de Aquino, obra mestra com fundo teológico de grande valor e que constitui um dos pilares da fé cristã e onde se explica pormenores jamais vistos em qualquer outra obra, representando o ápice da interpretação e do conhecimento da fé e doutrina católica.
E com uma compreensão infinita da palavra, Mohamed procurou o sacerdote para confessar os seus pecados e sentir-se livre e perdoado.

Os frutos da conversão

Mohamed foi construíndo a sua conversão e notando que algumas características nele presentes haviam mudado e outras haviam entrado para o seu novo universo.

Com isso, viu, por exemplo, que já não mais se desesperava com algum problema, pois se abandonava nas mãos do Senhor. Percebeu que tinha de ter humilde e caridoso com os irmãos, ainda que fosse ofendido.

Mohamed notou também que o perdão era algo fundamental para se manter vivo e limpo dos pecados e que era necessário primeiro perdoar para ser perdoado.

Mohamed aprendeu que o amor é proveniente de DEUS, que é sua fonte inesgotável e que a esperança na Ressurreição é algo crível e palpável!

Que Deus adiantou a participação no seu reino já aqui na Terra e que podemos e devemos comungar o corpo e o sangue de CRISTO.

Aprendeu também Mohamed que as obras de Deus são perenes e que Deus é eterno. Ele é o Ontem, o Hoje e o Amanhã.

Passou a ver a vida com alegria e que o cristão deve ser feliz, ainda que na tribulação encontrar paz e serenidade.

Notou que há uma alegria muito maior quando se doa a alguém quanto receber.

Compreendeu que a oração é a maior das conversas com Deus e que Deus nos atende, em Seu tempo.

Entendeu o significado da palavra SERVIR e, mais do que isso, passou a efetivamente coparticipar das atividades benemerentes em sua paróquia.


CAPÍTULO III

O pós-formatura de Mohamed

Mohamed planejou muito bem a vinda de sua mãe para Paris, aproveitando para levá-la à Israel e já coincidindo com a festa da colação de grau e sua formatura. Apenas não esperava a grata surpresa de sua mãe se estabelecer definitivamente em Paris, vivendo a partir de então ao seu lado, o que acabou acontecendo logo a seguir.

Sua formatura havia sido excelente e estiveram presentes Tia Émile, sua mãe Edith, o seu melhor amigo, o senegalês Akon e alguns amigos do bairro.

Dona Edith, mais velha, sofrida (já havia se casado novamente com um homem mau, que a maltratava e a espancava com regularidade e o tinha deixado recentemente) estava cansada de apanhar e resolvera dar um basta definitivo, deixando esse novo homem prá trás, passando a morar com seu filho em Paris.

Por isso, depois de sua formatura, já com o novo trabalho no Charlie, alugaram um studio super bem situado, no Quartier Latin e juntando suas forças, começaram a viver com um pouco mais de conforto na cidade-luz.

Dona Edith arrumou um emprego de cozinheira num bistrô próximo ao apartamento novo e, assim, passaram a viver dignamente.

Dali em diante, constantemente saiam a passeios, jantares, missas e museus. Faziam o que lhes dava prazer.

Muitas vezes recebiam a visita de Tia Émile, que passava uma ou duas semanas em companhia da irmã Edith. De vez em quando Edith também ia à Rouen, mas agora sem Mohamed, pois o mesmo não dispunha mais de tempo em função de estar assoberbado no estágio do Charlie Hebdo.

Nessa época, o já reformado Akon, também costumava frequentar o apartamento da família Petit e fazia ótimas refeições em sua companhia. Edith e seu filho insistiam em converter Akon ao Cristianismo, mas ele se colocava numa posição de neutralidade.

Pois bem, nessa época passaram a gozar do melhor que a vida oferece, curtindo a vida na Paris moderna e, pelo menos por um tempo, foram muito felizes.Edith se refestelava com o fato de saber que seu filho se tornara um jornalista formado pela Sorbonne, convertido ao catolicismo e com estágio num importante semanário.

O novo apartamento

O apartamento, ou studio, ficava localizado num lugar encantador, na rua mais dinâmica de Saint Germain des Prés, Rue de Buci, no 6º Arrondissement. Localizado no 5º andar, com elevador.

O apartamento tinha uma aparência moderna, bem mobiliado, com uma sala de estar grande, arejada e luminosa, piso de madeira, sofá em ele, com um toalete pequeno, mas muito funcional. A cozinha, muito bem equipada e decorada, em formato americano, fechava o cenário de uma aconchegante morada.

O edifício, apesar de antigo, bem conservado e com uma atmosfera linda, típico do século XIX. Do alto do apartamento se tinha uma bela vista sobre a Rue de Buci e Rue Grégoire de Tours.  Ficava localizado no coração de Saint Germain des Prés com suas boutiques, famosos cafés e galerias de arte. A apenas cinco minutos de caminhada até o Quais de Seine e sua bouquinistes e a quinze minutos do Museu do Louvre, Sorbonne e a Notre Dame de Paris. Também se avizinhava do tão querido Jardim de Luxemburgo e da Place Saint Sulpice com sua mais famosa ainda igreja que leva o mesmo nome. Sempre que podiam frequentavam o típico café Bar du Marche, na Rue de Buci mesmo. Por ali mesmo faziam suas compras, em supermercados de bairro, como o Fran Prix. Enfim, o local perfeito para eles que queriam explorar o centro histórico de Paris, perto de monumentos principais.


CAPÍTULO IV

O dia-a-dia no Charlie

Em janeiro de 2012, Mohamed foi promovido a jornalista-sênior do CHARLIE, mesmo a contragosto, já não vislumbrava mais a sua retirada. O fato é que ele, assim como os demais jornalistas e funcionários do jornal, tinha de se cercar de seguranças e estava ficando cada dia mais visado. Isto porque as sátiras aos muçulmanos se intensificaram e foi ficando insustentável trabalhar lá...

Havia suspeita de retaliação a todo momento e Mohamed não tinha mais sossego. Trabalhava pressionado. Os colegas já nem conseguiam desenvolver o seu trabalho de forma livre e tranquila, pois sempre havia boatos de que haveria algum ataque ou atentado. Mohamed, ao sair do trabalho, começou a pedir para se ausentar em horários diferentes, para que não fosse surpreendido com alguém que pudesse segui-lo ou coisa parecida. A esta altura, Mohamed e sua mãe rezavam incessantemente para que não fossem alvejados.

O conflito interno de Mohamed em relação à religião já não mais havia, pois se tratava de um católico convicto, porém, o fato de ter feito a opção de trabalhar num jornal que satiriza e desrespeita a religião Islã, que a priori não o incomodava, passou a incomodá-lo em demasia, de forma que em fins de 2014 Mohamed já não participava tão ativamente das reuniões nem mesmo comungava das ideias do semanário.

Fim

Mohamed morre no dia 07 de janeiro de 2015, dia em que completaria 26 anos, no atentado ao semanário Charlie Hebdo; sendo com ele mais 11 mortos.

Comentários

  1. Na leitura se observa a paixão do escritor por Paris , ao ler, se tem a impressão de que o texto poderia muito bem ser emoldurado por pinturas de Toulouse- Lautrec, rico em detalhes do modus vivendi parisiense. Contemporâneo, nos faz refletir ante aos comportamentos dos tempos atuais. Adorei! Vale muito a leitura!
    Tatiana Muniz

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