A CONVERSÃO DE MOHAMED
AGRADEÇO PRIMEIRAMENTE A DEUS.
Ao Senhor Onipotente, Onisciente e
Onipresente em primeiro lugar.
Sem Ele nada seria feito e “portanto
dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele seja a glória
perpetuamente! Amém.”. Romanos 11,36.
À minha família amada.
Aos parentes e amigos que
sempre acreditaram nesse sonho.
Prefácio
Nascida de
uma inspiração noturna, no início de 2015, com a notícia do atentado ao Charlie
Hebdo, esta “estória” traduz algumas ideias antigas que se renovaram e outras
tantas novas fruto de pesquisas momentâneas e alguns mergulhos em terrenos
áridos, pouco conhecidos por mim. Trata-se, na verdade, de uma composição de um
pouquinho de mim, da minha religião e das minhas viagens e experiências e muita
ficção aliada ao prazer de tentar expor o melhor da cidade de Paris e seus
encantos.
TÍTULO I
CAPÍTULO I
No Brasil
Mohamed
Petit Hussein nasceu no bairro do Brás, em São Paulo, no dia 07 de janeiro de
1989.
Em meio a
um cenário político efervescente, com crise interna pela inflação alta,
redemocratização do país e dívida externa impagável. Era o penúltimo ano do
Governo Sarney.
Filho de
Salém Hussein e Edith Petit, Mohamed era um menino franzino, de cor escura
(típica de muçulmanos), media 1,75 cm e pesava 70 kg, tinha cabelos
encaracolados e sobrancelhas proeminentes. Aos dezessete anos já usava bigode e
roupas clássicas. Inteligente, porém inseguro e tímido, um pouco por causa do
preconceito e um pouco pelo seu modo de ser. Mas tinha uma ponta de
irreverência e contestação, típica de um jornalista, o qual mais tarde se
tornaria e desenvolveria esta habilidade, sendo colunista de um jornal semanal
francês.
Salém
Hussein, seu pai, era um muçulmano radical. Um homem rude, sem escrúpulos, de
origem Iraquiana, nascido em Bagdá, adepto do Islã, que logo após o casamento
com Edith, largou a família e voltou para a sua terra natal, o Iraque; sendo
que nunca mais deu notícias. A família soube anos depois que o mesmo foi morto
num combate na Guerra do Golfo.
Sua mãe,
Edith Petit, mulher humilde, era filha de uma camponesa com um falido pintor
francês que veio morar no interior de São Paulo e não pôde estudar muito, pois
viveu boa parte de sua vida na roça. Herdou do pai a formação na área
gastronômica, bem como no campo do conhecimento da história, geografia e
cultura geral, embora a religião católica fosse praticada também pela mãe.
Assim, desde menina, Edith teve sempre presente o catolicismo.
Mulher de
grande fibra e honrada e batalhadora, Edith vivia em São Paulo, na região do
Brás. De origem humilde, jamais fora abastada e desde que foi deixada pelo
marido, passou por diversos problemas de ordem financeira, afora a dificuldade
em enfrentar só a criação do filho.
Com o
Plano Real e a virada da moeda, em 1994 e os planos econômicos que se seguiram,
a situação financeira da família piorou ainda mais, vendo-se Edith obrigada a
viver de pequenos bicos em restaurantes da região onde morava ou como diarista,
de parcas faxinas.
Em função
do abandono precoce do pai, Mohamed, que sabia muito pouco sobre ele, viveu
humildemente com sua mãe no bairro do Brás. Apesar de pobres, viviam numa
casinha relativamente boa, arejada, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro.
Na parte
externa havia um quintalzinho, onde Edith cultivava uvas de castas variadas e
tinha um pé de laranjeira. Possuíam muitos vizinhos imigrantes europeus, tais
como italianos, portugueses, espanhóis e alguns árabes muçulmanos provindos do
Iraque, Marrocos, Afeganistão e Paquistão.
O bairro
do Brás, onde viviam, é caracterizado pelas ruas de intenso comércio popular,
restaurantes e pela variedade de pessoas, sejam trabalhadores, visitantes ou
moradores.
Sua origem
está ligada a José Braz, proprietário de uma chácara na região na qual foi
construída a igreja de Bom Jesus do Matosinho, e em torno dela desenvolveu-se
um povoado que deu origem ao Brás. O bairro cresceu com a chegada dos
imigrantes e caracterizou-se pela notável presença de italianos. No passado, em
determinadas ruas o italiano era mais falado que o português. A urbanização e
industrialização de São Paulo foram impulsionadas pela cultura do café e os
trilhos da São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí, chegaram à cidade. A
estação do Brás foi inaugurada em 1867 e em 1885 foi construída ao lado dos
trilhos do trem a Hospedaria de Imigrantes, para receber pessoas que chegavam
ao estado de São Paulo para trabalhar na lavoura ou nas indústrias. Na década
de 40, uma grande seca que atingiu diversos estados do Nordeste deu início a
migração de milhares de nordestinos que chegavam à cidade a procura de uma vida
melhor. Na década de 70 foram construídas as estações Brás, Pedro II e Bresser
do Metrô, o que resultou na mudança da paisagem do bairro que se tornou um
dos principais polos comerciais do país. Há algumas curiosidades do
bairro, como por exemplo, o fato de Charles Miller ter ali nascido e trazido o
futebol para lá. Também o crescimento do comércio e a festa de São Vito,
comemorada desde 1919.
Assim,
enquanto vivia em São Paulo, Edith procurava dar a seu filho Mohamed, ou como
gostava de chamá-lo: Le Petit, boa
educação e uma base sólida de valores morais, éticos e cristãos, levando-o a
apreciar os estudos, ensinando-lhe boas maneiras, aulas de comportamento e a
praticar a religião católica; frequentando missas (na Paróquia São João Batista
do Brás - perto de sua casa), rezando o terço, fazendo caridade etc; mas sempre
respeitando o direito de escolha do menino, que, às vezes queria saber um pouco
mais sobre a religião muçulmana, os ensinamentos de Alah, as vedações impostas
na parte gastronômica (como carne de porco), os ensinamentos de Maomé, o Corão
e o Alcorão e suas Suratas, os costumes árabes, os horários de orações e jejum,
sonhando, vez por outra com uma peregrinação à Meca, seguindo em muitos passos
o modus vivendi de seu pai Salém, notadamente na maneira de se vestir e
também pelos ditados árabes de sabedoria.
Algumas
vezes ele espiava de longe as Mesquitas do Brás, local de oração dos
muçulmanos, tendo adentrado poucas vezes em uma delas. Mohamed tinha certa
admiração pelo profeta Maomé, embora a História da vida de Jesus e a religião
católica sempre fizesse a ele muito mais sentido!
Aos poucos
foi abandonando o interesse pelo Islã e se voltando para a religião católica,
que era aquela praticada por sua mãe, pela maioria dos brasileiros e ocidentais
e também porque era a que ele, no fundo, mais se identificava.
Mohamed
teve uma infância e uma adolescência meio conturbada, pois era um menino
diferente. Sempre quieto, retraído, de poucas palavras e com um livro na mão.
Nunca fez sucesso com as mulheres.
Enfrentava
bullyings dos coleguinhas de classe
na escola, preconceito nas ruas e sofria calado. No entanto, nunca ficou
revoltado por isso e direcionava suas energias para os estudos. Influenciado
pelas ideias da mãe, tanto no campo da religião quanto no campo da cultura
geral (como as artes, literatura, pintura) e culinária.
Embora
tivesse sido criado sozinho pela mãe, com muita dificuldade, nunca lhe faltou
nada. Edith provia o sustento da casa e sempre o estimulou a estudar e a
conhecer a história da igreja católica bem como da cultura ocidental, pois
acreditava que a civilização ocidental havia sido responsável pela base,
formação e desenvolvimento da igreja católica e de outros inventos universais. O
menino vivia perturbado com as ideias da mãe, com o seu futuro etc. e
demonstrava um comportamento maduro para sua idade. Muitas vezes, em suas
reflexões, buscava resposta para diversas perguntas sobre o universo, sobre a
história e criação do mundo etc.
Junto aos
amigos, ao mesmo tempo que demonstrava ser um sujeito maduro, não era convicto
sobre o Cristianismo, enveredando, vez por outra, para ideias e costumes islâmicos,
principalmente por força de Ramzi, o seu melhor e praticamente único amigo.
Parecia
que seu pai o chamava lá no seu íntimo a praticar a religião islã e não raro,
quando lhe ofereciam carne de porco, num churrasco entre amigos, o mesmo
custava a aceitar, pensando no haram que podia estar cometendo.
Desta
forma, desde cedo, o pequeno Mohamed enfrentava forte discriminação entre seus
colegas de classe que viviam o chamando de pequeno terrorista ou de
homem-bomba. Também passava por constrangimentos perante algumas amigas da mãe
que criticavam o modo como ele se vestia (de modo clássico islã, ou seja Thoub, Jalabiyah e Taqhiyah ou Keffiyeh)
, sobretudo porque o menino era muito quieto, calado e preferia ler a brincar.
Já adulto Mohamed abandonou o modo de se vestir do pai.
Com o
passar do tempo o jovem passou a se dedicar mais aos estudos da fé cristã, bem
como começou a trabalhar numa "vendinha de doces", próxima à sua
casa. Nesta época Mohamed contava com 14
anos de idade.
Desde o
primeiro salário o mesmo juntava dinheiro em seu cofrinho para realizar o seu
sonho de morar em Paris. Era esperto e sabia administrar bem suas economias, de
modo que, ao final de dois anos, já possuía quantia suficiente para a compra de
uma passagem de ida para a França. E foi o que ele fez.
A porção
brasileira da família, por ser humilde, de origem camponesa, não tinha uma vida
confortável e desde cedo haviam perdido contato com Edith.
A parte
francesa da família da mãe vivia na Normandia e quase não mantinham contato,
exceto por uma tia, Émile, que as vezes se comunicava com Edith e estimulava o
pequeno Mohamed a ir morar na França depois que completasse 16 anos, fato que o
estimulava muito, porém, não apostava que conseguiria.
CAPÍTULO II
No grupo
escolar, desde tenra idade, Mohamed Hussein mostrava-se um aluno aplicado e
culto e já simpatizava com algumas disciplinas, notadamente história, geografia
e estudo de línguas. Mais tarde afeiçoou-se com jornalismo e marketing,
passando a admirar grandes jornalistas âncoras da TV brasileira, repórteres de
campo, apresentadores de jornais televisivos, entre outros. Quando sonhava com
uma profissão, não tinha dúvidas que o que mais o interessava era o jornalismo,
sempre pensando em como seria trabalhar numa redação. Com o tempo foi conhecendo
melhor e se informando sobre a profissão e compreendendo a história do
jornalismo no Brasil, quando ainda nem se falava em liberdade de imprensa.
O
importante a ressaltar é que hoje em dia o cenário é muito diferente do século
XIX ou nos períodos de Ditadura Militar, quando o jornalismo engatinhava no
Brasil. Parte da imprensa pode até ser taxada de “intrometida” e
“sensacionalista”, mas o jornalismo atualmente informa muito mais do que há
duzentos anos e dá o privilégio ao leitor de selecionar aquilo que quer saber.
Na
verdade, da década de setenta para cá houve uma crescente evolução do
jornalismo, com a multiplicação do número de canais de televisão, rádio e
difusão.
A cena
jornalística ainda cresceu bastante nas últimas décadas, principalmente com a
implantação da democracia plena, após os anos oitenta, com a evolução do
sistema capitalista e da tecnologia. Houve e ainda há uma crescente ampliação
dos meios de comunicação, com implantação de canais de tv a cabo, computadores,
internet até o jornalismo chegar literalmente em nossas mãos, isto é, o
smartphone, com o início da Era Digital. A velocidade da informação está rápida
demais e vivemos no milênio da informação e tecnologia.
Cena 1 de preconceito
O jovem
Mohamed sofria preconceito de todos os lados.
Primeiro
por ser filho de estrangeiro, depois por ser filho de um muçulmano, ainda pela
sua cor (mais escura, típica dos povos do oriente médio, notadamente muçulmanos)
e ainda por ser um menino pobre, da periferia. Algumas amigas de sua mãe,
quando iam visitá-los, olhavam torto para o pequeno Mohamed e comentavam entre
elas que aquele rapaz devia ter algum problema psicológico ou mental. A família
do pai jamais aceitou o fato do filho (Salém) ter se casado com uma mulher que
não fosse muçulmana, embora a lei islã permita o casamento com uma mulher
cristã e foi por este fato que a família do pai de Husseim nunca se aproximou
de Edith.
O jovem
menino, tímido e pacato, que cursava a 3a série, hoje em dia 4o ano, começou a
ser debochado.
Porém, por
ser um menino pacífico, de índole boa e sem maldade, recebia essas ofensas e
mantinha-se calado.
Na
verdade, quase todos os dias era importunado por seus coleguinhas, que
esperavam chegar do recreio/intervalo para começarem a zombar dele: empurrando-o,
xingando-o, atribuindo qualidade negativas como a de “terrorista” ou “homem-bomba”,
achincalhando-o porque tinha cor escura e não era negro, vestia-se bem mas não
era rico e também por ter certos hábitos ligados à cultura árabe, totalmente
estranhos e desconhecidos aos olhos dos brasileiros.
Dali em
diante, Mohamed já não tinha mais prazer em frequentar as aulas, isolava-se em
sala de aula, procurava se manter longe de tudo e de todos nos intervalos e
tentava concentrar-se apenas nos estudos, tendo sido classificado como o famoso
“nerd”!
Seu amigo
Ramzi
A sorte de Mohamed é que
teve um fiel amigo, Ramzi. Estudaram juntos desde os primeiros anos do colégio
e possuíam uma amizade sólida e afetuosa. O menino também era descendente de
árabe, do Marrocos, e talvez por isso conseguisse entender melhor Mohamed e os
seus costumes.
Embora se comportasse de
uma forma diferente de Mohamed, tendo uma personalidade mais sociável e
marcante, o menino conseguia manter um bom vínculo de amizade com Mohamed e o
defendia das agressões e preconceitos sofridos (bullying).
Apresentava-se de uma
forma não tão acanhada para os amigos e para a sociedade e fisicamente não
aparentava ter traços árabes, nem mesmo pelo sua cor, que era naturalmente mais
clara, por causa da mãe europeia. Assim, os outros “amiguinhos” não o zombavam!
Ramzi acompanhava
Mohamed em muitos momentos da sua vida, seja na ida à escola, num trabalho de
classe ou até mesmo numa festinha ou num passeio que fizesse. Por outro lado,
Mohamed sentia-se mais confiante quando estava em companhia de Ramzi porque ele
o protegia e o entendia.
Assim, Ramzi frequentou
por um longo tempo a casa de Mohamed e dona Edith. Logo quando ele chegava, já
era recebido com festa por Mohamed que se comportava de forma efusiva e
eufórica. Nem parecia aquele tímido garoto do colégio que não falava com
ninguém, não tinha namorada e se vestia de forma estranha.
Os garotos brincavam a
valer por horas e costumavam assistir a seriados árabes na TV. Isso era uma
forma magnífica de identificação pessoal e resgate dos valores familiares, o
que deixava Mohamed feliz.
Dona Edith, por sua vez,
ficava feliz em recebe-lo, pois sabia que durante aqueles momentos ou horas seu
filho estaria feliz e seguro!
Ramzi, quando das visitas
ao amigo, gostava de levar doces árabes e alguns costumes (roupas) típicas,
como a Gafirah, a Kandoora e o Gutra. Isolavam-se no quarto, vestiam-se e
fingiam ser príncipes árabes. Sonhavam alto e acordados.
Cena 2 de preconceito
Passado um
tempo, em sua adolescência, ainda no Brasil, enquanto os seus colegas iam ao
cinema, teatro, shopping, ou namorar, Mohamed mantinha isolado, longe de ser um
menino sociável, apenas lia muito. Mohamed só era capaz de sair de casa quando
seu amigo Ramzi vinha procurá-lo.
O restante
do tempo se punha a ler e pesquisar sobre todos os assuntos ligas à sua mãe, sobretudo
a respeito da França e a vida em Paris.
Nas horas
vagas, saía de casa em companhia de seu melhor e talvez único amigo Ramzi e os
dois perambulavam pelas ruas de São Paulo, visitando Mesquitas, a fim de
conhecer melhor a religião de seu pai.
Em outras
ocasiões, estando só, aproveitava para conhecer o lado da religião de sua mãe
Edith, visitando igrejas católicas do bairro.
Cena 3 de preconceito
Assim, passado
um tempo, aos doze anos, logo após o atentado de 11/09/2001, o preconceito
étnico junto aos amiguinhos do colégio se intensificou e seu apelido virou “Osaminha”.
Mais uma
vez Mohamed não conseguia se desvencilhar dos ataques de preconceito e discriminação.
Seus
colegas passaram a ignorá-lo no colégio, fato que o levou ao isolamento total e
acabou por prejudicá-lo nos estudos. Já nesta época havia perdido o contato com
Ramzi, que tinha ido embora do Brasil e retornado para a terra natal de seu
pai, o Marrocos.
Tudo isto lhe
custou sessões e mais sessões de terapia e consultas em psiquiatras. À esta
altura, Mohamed era uma menino cada vez mais antissocial.
Dona Edith sofria calada, procurando não
demonstrar ao filho sua tristeza.
Mohamed sofreu
bastante nesse período, porque o trauma na adolescência, decorrente do bullying
sofrido havia cravado feridas incuráveis em sua personalidade e refletido
diretamente em sua vida pessoal, trazendo sequelas irreparáveis. Foram meses e
meses de tratamento, acompanhamento com assistente social, psicólogos e até
psiquiatras.
E mesmo após
o tratamento, apesar de uma ligeira melhora da autoestima, Mohamed não
conseguiu superar totalmente o trauma do preconceito que se instalou em razão
dessas barbáries cometidas pelos seus companheiros de escola, carregando
consigo esse fardo para o resto da vida.
Dos doze
aos dezesseis anos, quando formava a sua personalidade definitivamente, Mohamed
foi atacado moralmente por diversos grupos de pessoas, notadamente pelos
colegas de turma escolar, o que lhe rendeu uma adolescência triste e enfadonha.
Contudo,
Mohamed conservava em seu coração o desejo de sair do país em busca de novos
horizontes. Afinal, sabia que o estrangeiro seria uma excelente opção para
começar uma nova vida, talvez encontrando paz, algo que ele não sabia o que era
desde quando começou a ter consciência de seus atos e de seu comportamento, o
que se iniciara a partir dos primeiros anos de sua vida.
A saída do Brasil:
A saída do
Brasil foi conturbada.
Às
vésperas de completar 17 anos, cansado de tanto sofrer bullying e discriminações, Mohamed não queria mais nada. Só pensava
em deixar o Brasil e aquela vidinha pacata e sem graça e ir morar em Paris.
Nada mais
o interessava. Nem mesmo a forte ligação com sua mãe o fazia mudar de ideia.
Todo o
preconceito que sofreu na infância e adolescência deveria ficar no passado e
ele acreditava firmemente que algo de muito bom e agradável lhe aconteceria
fora dos limites de seu país.
Ademais,
Mohamed sabia da existência de uma tia francesa que, em caso de uma emergência,
poderia lhe amparar. Nas longas conversas que mantinha com sua mãe,
principalmente nos períodos mais críticos de isolamento social, Edith sempre
comentava de tia Émile, que vivia em Rouen, nos arredores de Paris e de sua
personalidade amável e acolhedora.
Assim,
diante de todo esse quadro de isolamento social e bullying, nada mais lhe
atraía no Brasil e Mohamed confirmou sua decisão de passar a viver na cidade
luz: PARIS e enfrentar novos desafios.
Edith, sua
mãe, protetora ao extremo, mas acima de tudo realista, embora tivesse sempre o
estimulado a conhecer a cultura francesa e a religião católica, por ser seu
único filho e ainda ser "mãe-solteira", obviamente que também
desejava sua companhia e se posicionava contra a ideia do filho deixá-la,
saindo precocemente de casa. Porém, respeitou a decisão de Mohamed, que já
estava tomada e no fundo ela sabia que poderia ser bom para seu Le Petit.
Ela o
amava profundamente e, embora quisesse protegê-lo, sabia, no entanto, que sua
vida poderia melhorar. Novos horizontes, uma sociedade mais fechada, onde
predomina o respeito entre o ser humano. Isso haveria de lhe fazer bem, pensava
Edith Petit.
No final
das contas, coube a ela apenas fazer a autorização judicial para a saída do
filho menor, procedimento este que, embora burocrático, não demorou mais do que
três meses. E ela o fez com dor no coração.
Lá ia
embora sua "cria" alçar voos mais longos e viver o lendário: Liberté,
egalité et fraternité, lema francês da Revolução e tão enaltecido pelo
pai de Edith!
TÍTULO II
CAPÍTULO I
Em Paris
A chegada
O ano era
2006.
Às
vésperas de completar dezessete anos, o jovem Mohamed se muda, em definitivo,
para Paris.
A Paris de
2006, infelizmente, já não é a mesma dos tempos atuais. Embora com a mesma pluralidade
de tendências filosóficas, científicas, sociais e literárias, advindas do
realismo-naturalismo, hoje em dia vivem-se dias de “terror e guerra”. Infelizmente,
com o crescimento do número de radicais islâmicos vivendo ou passando por lá,
temos um cenário de terrorismo.
A Paris da
época das boemias literárias, como as de Montmartre, já não existe mais há
muito tempo. Mas, de outra banda, mesmo com todas as mudanças, a Paris, como
cosmopolita que é, ainda se mantém em muitos aspectos.
Paris da
literatura de cafés e boulevards, de transição pré-vanguardista.
Paris das
guerras e da paz.
Paris dos
Franceses e do Mundo.
Paris da
arte, da poesia, da pintura, da escultura.
Paris dos
grandes museus, da natureza, das lindas igrejas,
Paris, a
cidade-luz.
Enfim, são
tantos codinomes e apelidos da bela Paris, que o melhor mesmo era lá estar.
Pois bem,
lá baixando, pelo aeroporto Charles de Gaulle, com passagem só de ida, Mohamed
Petit Husseim foi sabatinado pela imigração francesa por horas a fio. Sofreu
uma pressão incrível, principalmente por trazer em seu sobrenome a carga árabe.
Não fosse
um oficial (que tinha raízes brasileira) o liberar, o inexperiente Mohamed
teria sucumbido na sua tentativa de viver na França e retornado à força ao
Brasil.
Mas tudo
deu certo. Deixou o aeroporto, embora nervoso e tenso, feliz. Tomou um táxi até
o centro velho. Já começou o deslumbre com a bela cidade. Para todo o lado que
mirava avistava um cenário diferente. Um mais bonito do que o outro. A primeira
vez que se pisa em solo parisiense e se vê a Torre Eiffel e o Rio Sena
rasgando, com respeito, todo aquele cenário, é de cair o queixo!
Pois bem,
embora tivesse ansioso por conhecer a cidade, a fome lhe consumia, de maneira
que priorizou a alimentação em detrimento do belo, fazendo uma breve refeição,
comendo a famosa baguete e tomando um vinho ½ e seguiu à procura de seu
destino: o lado norte de Paris.
Mohamed ficou
sabendo, já no Brasil, que o lado Norte da capital Francesa era igualmente belo
e com muitas atrações pitorescas e principalmente que tinha preços de aluguéis
mais convidativos, facilitando encontrar uma apartamento, uma pensão ou algum
hotel mais acessível. Talvez se fosse nos dias de hoje já o teria reservado por
algum site de buscas. Mas a internet, no início dos anos 2000 ainda engatinhava
no Brasil. O jeito era mesmo fazer uma pesquisa in loco.
Logo
arrumou um quartinho de aluguel, num sótão de um velho hotel (Arcadie),
localizado na região de Gare du Nord e passou a trabalhar como garçom no La Vie
Rose, um tradicional cabaret da região. (Ouvindo as histórias do passado -
Belle Epoque e dos anos de ouro, com a ascensão da cultura, do cinema, dos
cabarés, convivendo com as sofridas dançarinas etc.).
Gare du Nord
A estação
é um dos seis terminais da rede principal da SNCF em Paris. Ela possui conexões
para várias linhas de transporte rápido urbano de metrô e RER.
Com cerca
de 180 milhões de passageiros por ano, a Gare du Nord é a estação mais
movimentada da Europa e a terceira mais movimentada do mundo. A estação serve
trens para o norte da França, bem como vários destinos internacionais para o Reino
Unido, a Bélgica e os Países Baixos. Na bonita fachada se observam vinte
e três estátuas, que simbolizam as cidades ligadas pelos trens. E é de lá que
parte o Eurostar que liga Paris à Londres.
Por lá
também que circulam a população de baixa renda, imigrantes africanos,
muçulmanos, estrangeiros; enfim, toda a sorte de pessoas que vão em busca do
sonho de melhorar de vida numa cidade que acolhe a todos, sem preconceito.
Seu quarto
O quarto
de Mohamed se localizava no 5º pavimento, justamente o sótão do velho Hotel
Arcadie, ao lado da Garde du Nord. Por se localizar no último piso (soton) e
ter mobília antiga, o quarto guardava um cheiro de madeira misturado ao odor do
carpete velho. Não tinha mais do que dez metros quadrados. Cabia apenas a cama
de solteiro encostada na parede diagonalizada; um criado-mudo com uma pequena
luminária, um vallet, uma estante sustentando velha TV, um frigobar e um toillete
minúsculo acoplado. Paredes com tintas à óleo em tom pastel até metade e a
outra metade apenas a pelo, ou seja, na parede original. Do outro lado havia
uma janela alta, como uma escotilha e uma lâmpada fosca no centro. Foi lá que
Mohamed passou os primeiros sete anos de Paris.
Os arredores
O velho
Hotel Arcadie, com sua faixada cinzenta e a recepção amadeirada, abrigava
diversos imigrantes provenientes da América do Sul, África entre outros. O
Hotel fazia fundos com a famosa estação Gare du Nord.
Na mesma
rua, alguns metros adiante, havia uma mercearia humilde onde Mohamed costumava
pegar a baguete e alguns gêneros alimentícios.
E por ali,
Mohamed apreciava circular, conhecendo as redondezas de seu bairro, cruzando o
Boulevard de Magenta, a Rue La Fayette, a Rue de Maubenge, dirigindo-se até os
famosos bairros de Montmartre, Pigalle etc. Era ali que Mohamed fazia suas
compras, sempre a procura de um bom marché.
Pigalle,
especialmente o agradava, porque era uma região interessante. Famosa por ser
uma região da boemia, das prostitutas, dos parisienses do interior à procura de
diversão e de turistas do mundo inteiro na mesma procura. Aos poucos, Pigalle
vem transformando essa tradicional boemia em local descolado, onde circulam
parisienses antenados. O que mais intrigava Mohamed eram os contrastes do
bairro. Durante o dia, via famílias inteiras a passear, homens com a
tradicional baguete debaixo do braço, mães com carrinhos de bebê, donas de casa
com carrinhos de compra, tudo muito prosaico e tranquilo. À noite as vitrines
se iluminavam com fotos pornográficas tamanho
XXL, os ônibus de turismo soltavam nas ruas filas e filas de turistas sedentos
por aventuras sexuais.
Montmartre
também é um dos mais famosos e charmosos bairros da cidade e que é vizinho da
Gare du Nord. A região de Montmartre foi imortalizada pelo filme da Amélie
Poulain, tem ruazinhas arborizadas, seus pintores de rua, seus cafés e cabarés,
o mais famoso é o Moulin Rouge. Além disso, como fica no alto de uma colina,
oferece uma das mais lindas vistas da cidade e aonde se encontra também uma das
mais lindas igrejas de Paris, a Sacré Coeur.
O que é típico em Paris?
Desde a
baguete debaixo do braço, o vinho que não pode faltar, até um lauto jantar na
Champs Elysees. Quanto aos vinhos, como a fama não é à toa, qualquer vinho que
provasse era bom, afinal, todos os vinhos franceses são de alta qualidade. Um
vinho que se paga trinta ou quarenta reais no Brasil, lá saia por volta de
cinco euros.
Tudo é
muito típico na cidade-luz.
Há
encantos natos e criados, mas a magia da cidade estava mesmo na beleza da
arquitetura e de sua pródiga natureza. É como o Rio de Janeiro. Parece que Deus
foi colocando peça por peça, até completar o tabuleiro. As coisas se encaixam
umas nas outras, como peças de um puzzle gigante, formando o corpo e os membros
da cidade.
Mohamed
ficava abismado com a beleza do conjunto arquitetônico misturado com o verde e
o Seine a cortar o centro de Paris.
Ao mesmo
tempo, ao andar pelas ruas e vielas estreitas, podia observar a sobriedade das
construções e a variedade da flora. Igrejas belíssimas completavam o cenário.
Haviam muitas
árvores encrustadas nas calçadas, pareciam como braços pelados, secos,
estendidos e entrelaçados, formando um ramalhete natural. Em especial, merecem
destaques as grandes praças e as árvores da Champs Elysees, pelo formato
igualado e a copa cheia, fechando o encanto da avenida mais glamorosa da
cidade.
Os cafés
também são outro ponto alto da cidade. Mas mais típico do que tudo são os
próprios parisienses. Todos muito elegantes, magros, esbeltos, bem vestidos,
sempre portando um jornaleco, uma baguete ou um livro debaixo dos braços. Todos
aparentemente finos e um pouco sérios demais.
Mohamed
notava que os parisienses precisavam de um bonjour
e um sorriso para ficarem mais simpáticos e amáveis. Porém havia um lado que
era compreensível, já que a cidade estava em constante visita de milhares de
turistas e curiosos que não davam sossego aos locais.
Os vinhos
são outro espetáculo à parte. Típicos, nasceram com a cidade e são
imortalizados a cada segundo nos restaurantes, bares, cafés e até para quem faz
uma pausa à beira do Rio Sena.
Típico
também são os boquinistas, vendedores de livros, revistas e posteres antigos da
Belle Epoque.
Os boquinistas
Quando
descia as ruas da margem do Sena, Mohamed passava muitas vezes pelos boquinistas.
Trata-se
de um passeio clássico pelas margens do Sena, em que se passa pelos vendedores
de livros, revistas, posteres antigos e desenhos da Belle Epoque.
Garimpar cada stand era um verdadeiro programa e uma viagem no tempo e
na história da França. Este é um dos passeios preferidos do cantor Chico
Buarque. Hoje, se Chico fosse visto por lá por alguns brasileiros certamente
seria hostilizado pela sua posição de esquerda-caviar, sua posição ante as
doações que recebera da Lei Rouanet e sua ligação com o governo do PT.
Mohamed
sempre buscava ler algo novo, típico de Paris, vendo aqueles livros, e
destacava uma poesia, de um autor brasileiro, com pseudônimo Bruno Kelsen,
chamada Paris: Cidade Intangível.
CAPÍTULO II
PARIS:
Cidade intangível
Paris não se define palpavelmente. Das belas artes e da belle
epoque
Paris não se conhece, se sente! O lugar dos artistas!
Paris se toca com a alma, Paris
das flores e jardins
Paris se conhece com calma! De violetas e jasmins
A cidade-luz não foi programada Paris
das esculturas de Rodin
Ela simplesmente foi existindo E dos amantes nos divãs!
Foi se autoconstruindo Paris, a cidade eterna!
De uma forma desordenadamente linda! A
taverna dos encontros
Paris pode ser um estado de espírito, A
cidade dos enamorados
Paris pode ser uma fragrância, A
representante mor da cultura!
Paris pode ser uma esperança Paris
dos cabarés e bistrôs
Ou simplesmente pode ser Paris! Dos shows e dos vovôs!
Paris das guerras e batalhas Paris
dos eventos e da Torre
Dos cinemas e dos filmes Do Louvre e da Notredame!
Das eternas músicas Paris
da beleza natural e dos palácios
E dos amores às dúzias! Das igrejas e claustros
Paris é o olor da arte, Do
Seine derramado
É o estandarte da vida Do
“Arco” da velha!
É o bacamarte de Napoleão Oh
Paris tão bela,
Ou a espingarda de Joana D´Arc! Cidade
intangível
A cidade dos Orlèans Com
perfeita descrição
Dos encantos e parques
Tu és indescritível!
(Bruno Kelsen)
CAPÍTULO III
A culinária
Desde
menino, Mohamed fora acostumado a ouvir falar e a provar alguns pratos da
culinária francesa e isso, por óbvio, o ajudou muito em sua vida na França.
Assim, em suas compras e também para se alimentar em restaurantes da capital
Francesa, Mohamed sabia exatamente o que pedir e o que experimentar, e se
desenrolava facilmente das armadilhas gastronômicas. Aos poucos, ele foi
montando uma lista de comidas e pratos típicos das regiões francesas.
Seguem as suas anotações, no diário de bordo:
Pão
francês/Blanquette de veau ou ensopado de vitela
Coq au Vin
(galo ou capão cozida no vinho tinto)
Queijos
Variados/Steak au poivre/Cuisses de grenouilles (Coxas de Rãs)
Escargots
(Caracóis)/Sobremesas ou Desserts/Crème brûlée o mesmo que Leite-creme em
Portugal e Crema Catalana, na Espanha./Crêpes Especialidade Bretã: finas
panquecas/Mousse de chocolate Chocolate batido com creme e claras em suspiro
Pâtisserie
Pastelaria/Mille-feuilles Mil Folhas/Alsácia:Choucroute garnie
(sauerkraut repolho em conserva com salsichas, carnes salgada e batatas)
Alpes:Raclette (Queijo derretido servido
com batatas , fiambre e carne seca)
fondue
savoyarde (fondue de queijo e vinho branco em que se mergulham cubos de
pão)gratin dauphinois Batatas gratinadas com creme, como no Dauphiné.
Tartiflette
(gratinado Savoyard de batatas, Reblochon natas e carne de porco)
Bretanha:Crêpes ou panquecas muito finas
kik ar
fars (porco com uma espécie de ravioli)
kouign
amann (pão pequeno feito com muita manteiga)
Borgonha:Boeuf Bourguignon (carne de vaca
cozida em vinho da Borgonha durante muitas horas)Escargots de Bourgogne
(caracóis em suas cascas com manteiga e salsa fresca)Fondue bourguignonne
(fondue feito com óleo, em que se mergulham cubos de carne)
Lorraine:Quiche Lorraine uma massa de torta
fina sobre a qual se dispõe creme e toicinho frito.
Costa
Azul/Provença: Bouillabaisse
(uma sopa de tomates e peixes do M;editerrâneo servida com molho ferrugem)
Ratatouille
conserva de berinjela, tomates, abobrinha
Pieds et
paquets (pedaços de pés e tripas de cabrito em molho saboroso)
Nimes:
Brandade
de morue (bacalhau em purê)
Normandia:
Tripes à
la mode de Caen (tripas cozinhadas em molho de vinho e Calvados)
Auvérnia
Auvergne
Tripoux
(pedaços de tripas em molho saboroso)
Truffade(batatas
salteadas com alho e queijo tipo "tomme")
Aligot
(puré de batatas misturadas a queijo "tomme")
Sudoeste:Cassoulet (ensopado com feijão
branco, salsichas e pedaços de ganso ou pato confitados)
Foie gras
(figado de ganso ou pato).
CAPÍTULO IV
Dia-a-dia em Paris
O
dia-a-dia de Mohamed, para variar, era bastante enfadonho.
À noite trabalhava
como garçom no Cabaret La Vie Rose.
Mohamed
tinha apenas as manhãs para dormir, já que suas tardes eram aproveitadas para as compras e alguns passeios e acertos de bancos e tentativas de bolsas na universidade.
Com o
parco salarie que auferia conseguia
pagar o aluguel do quarto no Arcadie e fazia suas despesas pessoais.
Definitivamente não dava para ter uma vida confortável, muito menos de luxo.
Já nesta
época, Mohamed Husseim esforçava-se para encontrar um novo emprego, mas para um
imigrante era difícil.
Caminhava
a pé todo o seu bairro e passava muitas vezes pela estação de trem,
encantando-se ao ver tanta gente e tanto estrangeiro deixando a cidade ou
chegando pela estação du Nord. Aquilo
lhe teletransportava ao dia que chegara.
Mohamed
adorava visitar novas igrejas e sua mãe havia lhe contado que a cada visita em
uma nova igreja ele deveria fazer três pedidos e eles seriam atendidos. Ele o
fazia sempre que possível. Vez por outra rezava o terço, à beira de seu
criado-mudo, olhando saudoso para a foto da mãe.
Vivia com
saudades imensas de Edith e procurava amenizar esse sentimento falando ao
telefone num cabine pública que havia perto de seu hotel. Quando conseguia
contato, ouvia as suas lamúrias falando sobre o novo marido. Falava pouco de
suas experiências locais, mas era gostoso ouvir e saber da sua mãe, que era o
seu esteio. Posteriormente, adquiriu um notebook e passou a enviar e-mails e a
falar pelo Skype com Edith, através de videoconferência. Isso o ajudou
bastante, porque se sentia mais forte. O equilíbrio emocional de Mohamed era
muito grande, mas quando passou a morar só, tornou-se naturalmente mais
carente, principalmente no aspecto sexual; até porque ele era uma pessoa casta.
Já nesta
época, revoltado com o abandono definitivo do pai, não via na religião islã
muito sentido. Na verdade, embora ainda "flertasse" vez por outra a
religião muçulmana, com o passar do tempo, reforçou ainda mais a sua vontade de
se converter ao Cristianismo. Nesse período Mohamed aproveitava para ler a
Bíblia e outras obras cristãs e também para se aprimorar no estudo da história
da igreja católica. Paris, assim como a Europa, faziam parte dessa história e
ele achava isso incrível.
O
recém-chegado Mohamed não era de muito assunto. Sempre se mantinha
introspectivo, sisudo, de poucas palavras. Vestia-se discretamente. Gostava
muito de ler e aprendia rápido. Com a vivência na cidade-luz, Mohamed passou a
apreciar ainda mais as artes, a pintura, a escultura etc. e foi se tornando uma
pessoa bem mais culta.
Nos
primeiros anos de Paris, logicamente com mais dificuldades de adaptação, sua
vida se resumia ao estudo do idioma local e a longas caminhadas vespertinas
pelos arredores da região Norte de Paris; além de muito trabalho à noite no Cabaret La Vie Rose.
Nos dias
de folga, aproveitava o tempo livre para visitar algumas igrejas católicas em
busca de conhecimento e à procura de sua fé, ou, de vez em quando, procurava o
Instituto do Mundo Árabe e alguns museus, como o Louvre e o Orsay.
Assim ia
se aprofundando no conhecimento da religião e também gostava de ler jornais
locais e nacionais, como o Le Monde e críticas antigas e satíricas, como as
famosas espetadas de Victor Hugo.
Numa
dessas caminhadas, acabou indo longe demais, dirigindo-se para Le Marais,
bairro tradicional parisiense, perto da Bastilha, onde se encontram excelentes
boulangeries e pâtisseries e onde está cravada uma das praças mais belas e
charmosas de Paris, a Place Des Vosges,
construída em 1612 por Henri IV, em formato quadrado, toda simétrica, com linda
arquitetura e tetos de ardósia, arcos e excelentes cafés e restaurantes e um
belo jardim central com fontes e estátuas. No numero 6 desta praça encontra-se
a casa-museu Victor Hugo, onde o mesmo viveu. Mohamed perdeu horas ali
observando cada detalhe de todo aquele acervo. A casa era belíssima, com três
pisos, escadarias, repleta de cômodos finamente decorados, muitas pinturas,
cerâmicas, adornos suntuosos e recortes de trechos de sátiras e criticas do
autor ao governo da época.
Mohamed
quase sempre fazia suas compras de gêneros alimentícios em feiras livres de seu
próprio bairro ou em pequenos comércios da região. A variedade de produtos era
imensa, principalmente frutas, vinhos e queijos, fato que o agradava muito.
Aos
domingos, quando tinha um tempo livre, costumava subir em Montmartre assistir à
missa na Sacre Coeur (um dos templos mais lindos da cidade de Paris, onde se
encontra preponderantemente o estilo bizantino, tal como a Catedral de São
Marcos de Veneza e onde tem uma das vistas mais deslumbrantes de Paris) e
depois rumava até a Place des Tertres, ocupada por pintores de rua que fazem
caricaturas dos turistas e retratam a cidade, fato que até hoje se dá com os
turistas e moradores.
Outras
vezes gostava de variar e tomava o lado oposto da margem do Sena em direção à
Catedral de Notredame de Paris. Flanava por horas à beira do Seine, apreciando a bela paisagem que se
formava junto a Ile de La Cite e
depois, quando se aproximava o horário da missa na Notre, adentrava a imponente
catedral gótica para assisti-la.
Muitas
vezes, a beleza e a imponência da Catedral o entretia mais do que propriamente os
ritos eucarísticos. Mohamed refletia, pensando como um templo daquele tamanho
teria sido erguido no século XII. Ficava fascinado com as histórias das
gárgulas e da Idade Média.
Afinal, a
catedral de Notredame de Paris havia
sido fundada em 1163!
De regra,
uma vez por mês procurava visitar um grande museu. (Louvre, Orsay, Picasso, Carnavalet, Complexo dos Inválidos).
Um outro
passeio sensacional era na belíssima e glamorosa Gallerie Lafayette; onde os
preços nunca foram convidativos, mas onde a beleza de sua construção e seu teto
em estilo Art Noveau impressionava,
sem contar que havia uma das mais belas vistas da cidade no seu último andar!
Como dizem
os parisienses, Mohamed estava ficando um grande conhecedor da cidade de Paris,
e já podia dizer que a conhecia Comme ma poche (como o meu bolso)!
O Cabaret La Vie Rose
Mohamed,
moço tímido, de formação religiosa, comportado e até certo ponto desajeitado, jamais
tinha imaginado que seria "obrigado" a trabalhar num cabaret. Mas,
como a vida tem dessas surpresas, notadamente quando não se vislumbra muitas
oportunidades momentâneas, o inesperado acontece. Pois bem, a primeira chance
que Mohamed teve de ganhar dinheiro foi esse emprego como garçom no Cabaret
"La Vie Rose". E foi desta forma que sua vida começou a deslanchar em
Paris.
O La
Vie Rose possuía uma linda faixada em estilo Art Noveau. Seu
interior, rico em detalhes, guardava um ambiente meio brega & chic, até
certo ponto blasé. O ambiente da sala principal se completava com cores vivas,
adornado em vermelho, preto e branco. Seu teto tinha motivos da Belle Epoque.
Havia quadros e painéis relembrando a Revolução Francesa. Nos corredores
laterais havia luzes foscas e dois bares iluminados. Os toaletes brilhavam ao
fundo, na cor lilás e a paisagem finalizava com um palco em forma de lua, com
diversos spots e luzes e uma mesa de som, áudio e vídeo enorme.
Mohamed
trabalhava à noite, dormia nas manhãs e suas tardes eram livres.
O convívio
com os frequentadores (habitues) e dançarinas no ambiente de trabalho
rendeu-lhe boa experiência e muitas histórias da Paris dos anos de Ouro, da
ascensão dos cabarés, bares, lojas, a Paris de 36, de Pigalle etc. Quando ouvia
as histórias antigas, era como que transportado para a Paris de 1920, época e
lugar que viveram inúmeros intelectuais e artistas que admirava como F.
Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ernest Hemingway, Salvador Dali,
Tolousse Lautrec dentre outros.
Aquilo
tudo era um sonho e o fascinava. Mas o CABARET representava, para ele, um
avanço em sua timidez e ao mesmo tempo uma pitada de regresso às coisas
mundanas.
Com aquela
"bagagem" e “know how” suas caminhadas noturnas pela cidade-luz eram
mais cheias de vida e o faziam sonhar, transportando-o aos anos de ouro vividos
na capital francesa.
Lições de vida no La Vie Rose
Diuturnamente
Mohamed se via numa experiência nova de vida em seu trabalho. Notava que não
era só ele que sofria calado e que a vida não era fácil prá muita gente. As
moças dançarinas viviam reclamando de baixos ganhos, assédio sexual, abusos do
patrão etc. Os clientes, muitos deles infelizes no casamento, esnobes e
fracassados no campo profissional, viviam importunando as meninas dançarinas e
os garçons do Cabaret, com pedidos estapafúrdios e humilhações
desnecessárias. Muitas vezes, Mohamed entrava no camarim de uma delas e passava
a ouvir as histórias pessoais como grandes lições de vida. As dançarinas viviam
num dilema para estarem sempre bonitas, elegantes, magras e disponíveis.
Algumas delas não eram prostitutas, mas apenas bailarinas ou dançarinas, muito
embora fossem sempre confundidas como tais e assediadas como reles prostitutas.
Porém, todas apreciavam com tranquilidade a pureza do moço brasileiro.
O primeiro dia que Mohamed viu Nadine
Quando
Mohamed completou um mês no Cabaret chegou
de Calais uma linda ruiva, cabelos
ondulados, seios protuberantes, barriga chapada, bumbum arrebitado, medindo por
volta de 1,80 cm e com um salto de 15 centímetros, pitando uma cigarrilha nas
mãos cobertas por longas luvas pretas e um vestido decotado: NADINE.
Ao vê-la,
Mohamed não conseguiu esconder sua volúpia pela bela madame!
Ela entrou
à meia-noite de uma sexta-feira e atrás dela "arrastando" uns dez
homens embasbacados por tamanha beleza! Todos clientes assíduos do La Vie Rose!
Comentavam
à boca pequena que jamais tinham visto tamanha beleza e tão chamativa mulher e
foram logo a rodeando no salão central, ofertando-lha uma bebida!
Mohamed,
por sua vez, não se dirigia à madame, apenas a fitava de longe, sendo que era
correspondido, o que lhe deixava extremamente encabulado, mas ao mesmo tempo
intrigado e tentado. Com o passar dos dias, Mohamed se aproximou da bela
senhorita e foi se apaixonando loucamente por ela; porém, a princípio se tratava
mais de um amor platônico, o qual ele não apostava que pudesse virar realidade.
Nadine
Nadine era
uma mulher linda, vibrante, chique e ninguém entendia porque ela ainda estava
"nessa" vida. Corriam fofocas no La
Vie sobre a real identidade dela. Uns afirmavam que ela era uma mulher
nobre, mas desiludida por um amor não correspondido tendo caído na
prostituição. Outros, porém, diziam que Nadine era uma moça humilde, mas que
viu na prostituição uma forma rápida de enriquecer e se divertir. Mas na verdade,
Nadine era muito profissional. Dançava magistralmente, como uma verdadeira
bailarina do Bolshoi.
Nadine não
fazia programas e não se envolvia com ninguém. Chegava pontualmente à
meia-noite no Cabaret. Sempre muito
bem vestida e pitando sua cigarrilha. Com um perfume adocicado o qual era
sentido a metros de distância. Todos os dia adentrava seu camarim sem dar
audiência a quem quer que fosse. Não se dava com as outras meninas e tinha
residência fixa fora dali, deslocando-se de veiculo particular. Ao chegar,
Nadine apenas acompanhava com os olhos Mohamed que podia sentir a sua candura
sem ao menos possuí-la. Nadine parecia escolher a dedo quem seria o
"felizardo" a conquistá-la.
Perdendo a virgindade
E foi numa
dessas noites, passados três meses que Nadine chegara em Paris, que a linda
mulher deu-se literalmente à Mohamed. Já combinando previamente, Mohamed e
Nadine encontraram-se na Avenida de Clichy, próximo a um café. Por volta das
22:00 horas Mohamed já estava pronto, vestido e asseado. Havia se perfumado e
comprado uma ramalhete de rosas colombianas para sua amada Nadine. Tomou um
táxi e foi ao encontro dela. Haviam combinado o encontro nesse café da Avenida
de Clichy por volta das 22:30 horas. E pontualmente nesse horário Mohamed
chegou lá.
Com um
atraso de 10 minutos, Nadine estacionou seu carro do outro lado da avenida e
acenou para Mohamed. Quando ela desceu do carro, de longe Mohamed sentiu o olor
de seu perfume exalar a metros de distância. Nadine vestia luvas alongadas e
trajava um lindo vestido de cor lilás, botas presas de cano longo e um salto
fino. Os seus cabelos amarrados de "birote" envoltos por um lenço de
organdi transparente. Delimitando a sua área corporal, um cinto preto
traspassado.
Ao descer
do carro, com a elegância de uma dama, Mohamed sentiu o seu coração na boca.
Sentia as batidas do mesmo entre os seus dentes, tamanha a explosão de
sentimentos que o invadia naquele instante. Nesse instante, Nadine já na
calçada do meio da avenida, aguardando o sinal abrir para atravessar até o lado
oposto, onde Mohamed encontrava-se estático feito um poste, com as flores nas
mãos. A cada passo de Nadine, Mohamed ia sentindo um calafrio intenso e fortes
contrações na barriga. Afinal, aquela noite seria muito importante para ele,
que ao seu modo romântico e até certo ponto ingênuo de ver a vida, ia perder
sua virgindade em grande estilo. Seus princípios cristãos o inibiam ainda mais,
porque muitas vezes, ao pensar em sexo, sentia-se reprimido e já julgava que
estaria praticando um pecado capital. Porém, a força da atração era mais
intensa e o impingiu à fraqueza.
Nadine
chegou, beijou-o lascivamente próximo à sua boca e ofertou-lhe uma das mãos
para que o mesmo fizesse a típica reverência de um cavalheiro. Mohamed
estremeceu e na mesma hora agarrou-a com uma força meio desproporcional, que a
fez cambalear, mostrando seu nervosismo e seu jeito sempre estabanado de ser.
Nadine, como dama que era, fingiu não sentir e reequilibrou-se novamente
seguindo para a porta do café. Não permaneceram no local mais do que meia hora,
quando começaram os beijos ardentes, os gestos lascivos e a efervescência dos
seus corpos desfilava um clima de sexo no ar. Nadine falou ao seu ouvido:
"Vamos sair daqui! Quero que me possua!". Mohamed mais uma vez
estremeceu e começou a suar frio. Na mesma hora Nadine tratou de abraçá-lo
afetuosamente, conduzindo-o para fora do café, dirigindo-se até o seu carro.
Ela fez as
vezes do cavalheiro e abriu a porta do passageiro para ele. Entraram no carro e
foram direto para uma mega suíte. Aquela ruiva era mesmo de tirar o folego.
Amanheceram juntos, com os corpos entrelaçados, os lençóis revirados, copos
caídos no chão e uma garrafa de champagne quebrada na lateral do criado-mudo. A
cena de uma verdadeira batalha sexual.Aquela noite tinha sido mesmo uma noite
de sexo e prazer ardente.
Ao
despertar, Nadine deixou um bilhete escrito a batom no espelho do banheiro da
suíte, com a seguinte frase:
J'ai
rencontré un homme.
(Eu
conheci um cavalheiro!).
CAPÍTULO V
O amigo Senegalês
Sorbonne
CAPÍTULO V
O amigo Senegalês
Akon, um
negro senegalês, de religião muçulmana, erradicado em Paris há muitos anos,
respeitado dono de um comércio de tecidos da região de Montmartre, afeiçoou-se ao jovem Mohamed, que sempre que passava
por sua loja, aos domingos, estendia a mão em cumprimento, soltava-lhe um bonjour e abria-lhe um sorriso.
Com o
tempo, Mohamed e Akon travaram uma boa amizade e o comerciante passou a ajudá-lo,
financiando parte de seus materiais para os estudos universitários. A outra
parte o jovem conseguia com pequenos empréstimos feitos com uma tia da
Normandia (Émile).
Depois de
alguns cumprimentos sem manter uma conversa, aos poucos Mohamed aproximou-se de
Akon. A amizade intensificou-se e Akon era para Mohamed como um confessor.
Mohamed abria-se ao amigo, contava suas peripécias e aventuras no Cabaret, sua
paixão recolhida pelas dançarinas etc. De outra banda, Akon adorava contar
histórias da sua velha Senegal! Certa feita se lembrou de um fato que havia
acontecido quando ainda era menino: Estava correndo com um amigo nas matas
fechadas do Senegal quando lhes apareceu um leão ao longe. Ressabiados e
amedrontados, os mesmos passaram a correr em disparada para dentro de uma casa
de madeira cravada na selva a poucos metros de distância e sequer olhavam para
trás. Quando adentraram a casa, bufando, cansados e exaustos viraram para trás
e para a surpresa deles o leão continuava no mesmo lugar! Moral da história: A
fama do Africano correr de leão não é à toa!
Em alguns
dias, o amigo Senegalês saía de sua loja mais cedo para almoçar com Mohamed e
passear na Place de Tertres, ali mesmo em Montmartre. E assim tornaram-se
grandes amigos. Mohamed gostava muito de saber sobre os costumes do seu povo e
também sobre a religião islã, que predominava em seu território.
Quando da
formatura de Mohamed, além da tia Émile e de sua mãe, Mohamed fez questão de
convidar Akon para a colação de grau e para a festa, fato inusitado, porque o
mesmo estava sempre só.
Sorbonne
Depois de
dois anos de muitas dificuldades, Mohamed finalmente ingressa na faculdade de
Jornalismo da Sorbonne, no ano de 2008. E sente-se deslumbrado e ao mesmo tempo
orgulhoso de cursar uma das melhores e mais bem conceituadas universidades do
mundo.
Com a
ajuda financeira do amigo senegalês, Akon e de sua tia Émile, embora o curso
fosse gratuito por ser público, a despesa com o material de estudo era alta e a
ajuda deles foi de extrema importância, já que o orçamento de Mohamed era bem
apertado.
Veio o início
das aulas, e Mohamed Husseim se viu obrigado a reduzir sua carga horária no Cabaret, negociando com o patrão para
trabalhar apenas meio período, já que as aulas eram pela manhã.
Fundada em
1170, também uma das mais antigas do mundo, ao lado da Universidade de Coimbra.
Ensino de excelência, tradição e quantidade limitada de estudantes por turma
(em torno 25) são fatores que tornam o concurso de entrada extremamente difícil
e bem conceituado.
Como já
estava em Paris há dois anos e no Brasil já tinha iniciado os estudos da língua
francesa, não sentiu dificuldades para bem cursar a faculdade naquela altura e
mostrou-se um excelente aluno, destacando-se em muitas disciplinas
internacionais, notadamente em jornalismo global e mídia, pois seu ótimo
conhecimento de geopolítica e história lhe rendeu boas notas.
Mohamed
estava se tornando um homem culto e letrado.
Cena 6 de preconceito
E durante
todo o curso de jornalismo, Mohamed sofreu perseguições dos negros africanos de
seu bairro. Ele só ganhou o respeito dos caras
quando no último ano da faculdade resolveu fazer uma matéria com aqueles que o
perseguiam, promovendo o movimento hiphop e os valorizando. Dali em diante,
passaram a respeitá-lo e até a cumprimentá-lo afetuosamente. Na verdade,
Mohamed percebeu depois de tudo aquilo que se tratava de medo. O preconceito
que eles tinham era gerado pelo medo de não serem aceitos, como forma de
proteção. Todas as vezes que Mohamed sofreu preconceito ele rezou e pedia a
Deus forças para continuar a enfrentá-los e pela conversão dos mesmos. Anote-se
que também sempre existiu o reverso da moeda, ou seja, os brancos franceses, em
sua grande parte, não gostavam da mistura de raças e eram contra os imigrantes,
mesmo aqueles provindos de colônias francesas como Senegal, Costa do Marfim
etc.
Tudo
aquilo o ajudou a superar as barreiras do preconceito e da aceitação social.
A namorada Adilah
E foi no
ambiente universitário que Mohamed conheceu ADILAH, uma linda jovem afegã, de
proveniência muçulmana, de cor escura, cabelos longos ondulados, medindo
1,68cm, 55 kg, nariz afilado, lábios finos, usava meia burca. Filha de
muçulmanos fundamentalistas radicais afegãos.
Quando
pequena sofreu com os conflitos internos e a ocupação soviética, mas depois,
pelo fato do pai pertencer ao exército Talibã, acabou aprendendo técnicas de
guerra e apaixonou-se por movimentos bélicos, principalmente pelo estudo das
estratégias soviéticas de ocupação.
Adilah
morava num lugar mais afastado, subúrbio ao Norte de Paris, próximo à Catedral
de Saint Denis (Uma das principais igrejas de Paris, construída no século VII e
reconstruída no XIII e aonde estão sepultados a maioria dos reis da França a
partir do século X).
A primeira
vez que Mohamed viu Adilah foi inesquecível.
Segundo
ano de curso de jornalismo, intervalo longo entre uma aula e outra. Os dois
tiveram a mesma ideia, isto é, sair para fora dos portões da Sorbonne e dar uma
rápida caminhada no Jardim de Luxemburgo, localizado bem próximo ao Campus.
O Jardim é
o maior parque público da cidade e possui lindas flores, estátuas, lagos, um
palácio e é onde está localizada atualmente a sede do Senado.
Pois bem,
Mohamed, tímido, calado, apenas apreciava a fonte do Jardim quando Adilah passou
em sua frente, vestindo meia burca (preta) e vestido longo branco e preto. Do
ângulo de observação de Mohamed só dava para enxergar os sapatos de Adilah. Mas
ele sentiu um olor agradável, um perfume cheiroso que o encantou!
Tomou
coragem, seguiu-a por mais uns passos e formulou uma pergunta, com medo da
resposta:
- A senhora sempre vem aqui?
Os dois se
entreolharam e ela o reconheceu e contou que como ela estava sempre de burca
ele não conseguia saber quem era ela, porém ela já o fitava nos bancos
universitários há mais de um ano! Quando ela contou isso os dois riram a valer!
Parecia que ali estava iniciando um encantamento, uma magia!
Adilah adorava
estudar a história de seu país e debruçava-se atualmente sobre as questões
militares soviéticas e a influência das tropas em seu território.
Quando Mohamed
começou a refletir, viu-se novamente num conflito religioso, pois tinha em seu
pai a figura do Islã, que, mesmo distante, ainda o influenciava, talvez mais
pelo sangue do que por convicção e de outro lado sua formação cristã-católica.
O fato é
que passaram a namorar e entre idas e vindas, o namoro não durou muito, cerca
de um ano e logo se afastaram, em razão das diferenças religiosas e também pelo
ciúme dela, que não admitia que ele trabalhasse num Cabaret. Ele ainda tentou contornar a situação, mas ao mesmo
tempo não podia largar o emprego que o mantinha.
Assim que
se conheceram começaram a sair. Como moravam em pontos distantes e não
dispunham de carro, combinavam sempre um lugar para se encontrar, próximo ao
Sena, na margem esquerda. Dali partiam para passeios à beira-rio, passeios de bateaux mouches, cafés, jantares etc.
Conversavam
muito, mas pouco se entendiam. Na verdade havia mais uma atração física do que
propriamente confluência de ideias.
Afinal,
Mohamed queria seguir o Cristianismo e Adilah não abria mão de suas raízes
islâmicas e procurava convencê-lo do contrário. De tal sorte que, muitas vezes
seus passeios terminavam em brigas constantes, o que desgastava sobremaneira o
relacionamento do casal.
Muitas
vezes ao chegar em casa depois de uma discussão orava a Deus para que o
iluminasse e para que ele soubesse realmente se deveria continuar a namorá-la.
Outras vezes ele passava por qualquer igreja, ajoelhava-se diante do sacrário,
lembrando de Lanciano, e pedia ao Senhor forças para continuar o seu
relacionamento.
Durante o
curso, encontravam-se cerca de uma hora antes do início das aulas e seguiam
juntos até a Sorbonne. Nos meses seguintes, os dois foram se afastando
naturalmente e já não existia mais amor. E o destino foi-lhes cruel quando
Adilah recebeu um convite de trabalho para viver e trabalhar em sua terra
natal, Cabul. Foi o fim do namoro.
A enfermidade
Após o
término do namoro com Adilah, Mohamed caiu em depressão por cerca de três
meses. Foi o único momento de sua vida que duvidou da existência de Deus e
quase pôs tudo a perder. Demorou a recuperar sua sanidade completa e, na
verdade, não podia desperdiçar tudo aquilo que aprendeu e todo o conhecimento
do Evangelho e da vida de Jesus. Ele que tinha visitado museus e igrejas,
templos, lido diversas obras a respeito da religião católica não poderia se
abalar com um fracasso pessoal. Tia Émile, nesse período, pôs-se a fazer o
caminho inverso, visitando-o aos finais de semana, sempre que possível.
Depois do
conturbado namoro, uma vez superada a depressão, Mohamed se concentrou mais nos
estudos até finalizar o curso de jornalismo com excelentes notas, o que lhe
rendeu posteriormente a imediata admissão no Jornal Charlie Hebdo.
CAPÍTULO VI
A subida à Tour Eiffel
A subida
na Torre Eiffel ele queria fazer sozinho. Era uma questão de honra. Ele tinha
aquele passeio como um amuleto. Como algo que não poderia se distrair em nenhum
momento, porque seria atender a um pedido de sua mãe! E assim o fez.
Certo dia,
no verão, tirou uma folga apenas para apreciar e curtir a torre, saindo cedo de
casa e o céu estava azul, de brigadeiro. Retornou só à noite.
Segundo a
história, em 1889, deu-se a construção da Tour Eiffel, pelo engenheiro Gustave
Eiffel (1832-1923). A torre foi construída para impressionar os visitantes da
Exposição Universal de 1900. Ao mesmo tempo, construíram o Grand Palais e o
Petit Palais, prédios que abrigaram duas enormes exibições de pinturas e
esculturas. A torre, símbolo gravado no inconsciente coletivo, tem suas
curiosidades: 320 metros de altura; 1.652 degraus; está estruturada com 2,5
milhões de rebites; nunca balança mais do que 12 centímetros; pesa 10.100
toneladas e são usadas 40 toneladas de tinta cada vez que é necessário
pintá-la. Fica na margem do rio Sena e na extremidade do Champs de Mars (Campo
de Marte), onde um dia Santos Dumont desafiou a gravidade.
Desde o
solo, Mohamed sentiu aquele friozinho na barriga e ao mesmo tempo uma plenitude
em sua alma. Parecia que seu corpo estava mais leve. A vista do elevador era
algo indescritível. A primeira parte (ou primeiro estágio) já é deslumbrante.
Ele curtia segundo a segundo, fazendo um giro de 360º pela torre, mirando os
principais pontos de Paris.
Foi bom
ele deixar para visitá-la bem mais tarde do que quando lá se fixou, porque
agora podia reconhecer de lá do alto cada ponto importante, cada boulevard ou
grande avenida de Paris. Fechando um dos olhos, podia como que abraçar a Gare
du Nord e a Sacré Coeur, o que lhe deixava excitantemente feliz.
Na descida
do torre, Mohamed trombava com muita gente, pois, além de ser um ponto
turístico cheíssimo de gente, Mohamed também não tinha muita consciência
corporal, e estava sempre a esbarrar sem querer nas pessoas, o que lhe causava
uma vergonha imensa.
Foi um dos
dias mais felizes da vida de Mohamed Petit.
Visitando o Louvre
O museu do
Louvre é considerado o mais importante museu do mundo e um dos maiores também.
É onde se
encontra a Monalisa, a Vitória de Samotrácia, a Vênus de Milo, enormes coleções
de artefatos do Egito antigo, da civilização greco-romana, artes decorativas e
aplicadas e numerosas obras-primas dos grandes artistas da Europa como Ticiano,
Rembrandt, Michelangelo, Goya e Rubens, numa das maiores mostras do mundo da arte
e cultura humanas.
O museu
abrange, portanto, oito mil anos da cultura e da civilização tanto do Oriente
quanto do Ocidente.
O Louvre é
gerido pelo estado francês através da Réunion des Musées Nationaux. É o museu
mais visitado do mundo, recebendo 8,8 milhões de visitantes em 2011 e 9,7
milhões de pessoas em 2012.
Por ser
gigantesco e abranger numerosas obras, o mesmo é dividido em departamentos,
quais sejam: Antiguidade oriental, Egito, Gregos, Etruscos e Romanos, Arte do
Islã, Esculturas, Objetos de arte, Pintura e Artes gráficas.
O museu
possui três alas. Quando estiver dentro da pirâmide, a pessoa vê três entradas
e três escadas rolantes que vão dar acesso às alas do museu: Galeria Denon,
Galeria Sully e Galeria Richelieu.
O acervo
do Museu do Louvre possui mais de 380 mil itens e mantém em exibição permanente
mais de 35 mil obras de arte, distribuídas em oito departamentos. A seção de
pintura é a segunda maior do mundo, logo atrás do Museu Hermitage (em São
Petersburgo), com quase 12 mil peças, sendo que delas 6 mil estão em exposição
permanente.
Portanto,
nas primeiras visitas ao Louvre, Mohamed pouco aproveitou, pois se perdia a
todo tempo, procurando retomar a visitação, o que demorava alguns minutos. Ele,
com seu jeito atrapalhado, sem consciência corporal, muitas vezes acabava por
ser observado pelos outros como sendo uma pessoa, de fato, esquisita!
Na entrada,
logo no início da visita, procurava centrar a visitação na Arte do Islã e
também em pinturas italianas e esculturas romanas, de onde vinha compondo sua
formação religiosa e convicção cristã-católica. Passava, às vezes, muito tempo
apreciando apenas um quadro, como a Santa Ceia, de Da Vinci, o que lhe remetia
às sagradas escrituras e também à obras fictícias como a História de Dan Brown
que assombrou o mundo: O Código Da Vinci. Além dessa, adorava apreciar a Ceia
de Emaús, de Rembrandt; O Calvário, de Mantegna, As bodas de Caná, de Veronese
e A morte da Virgem, de Caravaggio.
Mohamed
era capaz de passar horas apreciando e andando através dos enormes corredores
do museu sem ao menos se lembrar de usar o banheiro ou comer! Aquilo era
fascinante! O fato de se perder nas galerias o deixava ainda mais excitado,
porque o incitava ao conhecimento cada vez maior das obras do museu. Sabia que
teria de repetir muito mais visitas para ter um mínimo de familiaridade com tudo
aquilo.
Para
Mohamed, as coisas antigas o fascinavam muito mais do que as invenções atuais e
a alta tecnologia moderna.
Mohamed
era daquele tipo de pessoa que preferia um livro a um pc moderno.
Na parte
da Arte islâmica, destacavam-se uma caixa de marfim e prata, proveniente da
Espanha muçulmana, do ano de 966. A Píxide de al-Mughira. É o departamento mais
recente do museu, mas sua coleção de mais de 6 mil itens cobre 13 séculos de
história da arte islâmica da Europa, Ásia e África, entre vidros, metais,
madeiras, tapetes, cerâmicas e miniaturas. Das suas peças se destacavam como
principais, além da caixa de marfim da Andaluzia; o Batistério de Saint-Louis,
uma bacia de metal do período Mamluk; fragmentos do Shahnameh, um poema épico
de Ferdusi escrito em persa, e o Vaso Barberini, um vaso de metal da Síria.
Uma outra
ala que fascinava tanto Mohamed quanto sua namorada Adilah era a Egípcia. Havia
salas inteiras de múmias, sarcófagos, tumbas e réplicas de peças do Egito
Antigo. Coisas que levavam longe a mente de Mohamed.
Cena 4 de preconceito
Como
Mohamed fixou-se no lado norte da cidade, próximo à Gare du Nord, também foi
obrigado a conviver com os africanos segregados, os quais tinham formado um
"gueto" por lá. Estes não só discriminavam os brancos, estrangeiros,
judeus, muçulmanos, como também eram discriminados pelos brancos franceses. E
se comportavam como se fossem donos das ruas, das lojas, do idioma; enfim, de
tudo! Demonstravam forte preconceito, principalmente com turistas e com pessoas
adeptas do Islã. E com Mohamed eram sempre truculentos. Já o conheciam e de
longe já iniciavam as gozações e as perseguições. Mohamed, muitas vezes, era
obrigado a mudar o seu trajeto para que eles não o vissem, fugindo assim e
evitando brigas desnecessárias.
Cena 5 de preconceito
Mas a vida
em Paris não se resumia só em coisas boas. Houve muitos infortúnios e momentos complicados
na vida de Mohamed.
Além do
preconceito por ser estrangeiro, sendo tratado de forma grosseira por muitos
franceses, havia o fato de viver num bairro de periferia, onde os segregados
habitavam e formavam uma espécie de clubinho.
Via de
regra, quando saía de casa, Mohamed já se deparava com os olhos do preconceito.
A maioria
dos negros africanos de seu bairro o odiavam e viviam o perseguindo, fazendo
ameaças de agressão, mandando-o sair de lá, afirmando que lá não era lugar de
maricas. Posicionavam-se frente ao rapaz e punham-se a ameaça-lo, aumentando o
tom de voz, fazendo trejeitos que levavam a crer que iriam agredi-lo. Isso o
assustava muito! Esses homens, africanos, provenientes dos países mais pobres
da África, notadamente do lado norte, muitas vezes já possuíam nacionalidade
francesa ou já eram, inclusive, franceses, filhos de imigrantes ilegais, mas o
preconceito permanecia patente e não admitiam que invadissem o “território”
deles.Eles, muitas vezes também segregados, também procuravam defender-se de
eventuais preconceituosos, invasores ou delatores e acabava se tornando um
círculo vicioso. Faziam discriminação porque eram discriminados e vice-e-versa.
A sorte de
Mohamed é que não havia de usar o metrô para trabalhar, porque o Cabaret ficava
perto de sua casa.
Sorbonne
ficava muito distante de sua residência, do outro lado do Sena e o único
caminho para ele que não tinha carro era realmente usar o metrô. E era
exatamente nessa caminhada que os locais apavoravam Mohamed, com xingamentos,
empurrões, ameaças e até agressões físicas mesmo, até antes das catracas
Mohamed sofria perseguições diárias. Havia um grupinho deles, do movimento
hiphop, revoltados e arruaçeiros, de que Mohamed tinha pavor. Eles o seguiam
até a estação e passavam rasteira no mesmo, faziam pequenos furtos na sua
mochila e o empurravam. Mohamed procurava evitar fazer sempre o mesmo caminho
para não ter que encontrá-los todos os dias.
CAPÍTULO VII
Visitas à tia Émile
Depois do
primeiro ano em Paris, tendo algum contato com sua tia Émile apenas por
telefone, Mohamed, ou Le Petit (para tia Émile), resolveu fazer visita-surpresa
e partiu conhecer a região da Normandia, onde Émile vivia em companhia de seu
cãozinho.
Saiu de
Paris numa sexta-feira e tomou o RER direto para Rouen. Mal sabia ele que esta
situação se repetiria por muitas vezes.
Rouen está
localizada no noroeste da França. Uma das mais prósperas cidades do norte
europeu na Idade Média, Rouen é hoje a capital da alta Normandia e do
departamento do Sena Marítimo. Hoje é uma cidade que conta com pouco mais de
500 mil habitantes.
O passeio
de trem não durou mais do que uma hora e depressa chegou em seu destino. De lá
foram mais quinze minutos a pé até chegar diante da residência de Tia Émile.
Tia Émile
era uma distinta senhora, solteirona por convicção e extremamente educada.
Mulher conservadora, de costumes clássicos, media pouco mais de 1,60m, usava
apenas vestidos longos e sapatos finos, embora não fosse rica, primava pela
sobriedade no comportamento.
Quando
bateu na porta, ouviu o latido de Pigalle, o cãozinho. Inesperadamente tia
Émile abriu, como se fosse o carteiro ou alguma vizinha e deparou-se com Mohamed.
Era ele, o
seu sobrinho, Le Petit! Ela ficou surpresa e abraçou-o afetuosamente, levando-o
direto para a cozinha para uma xícara de chá.
Conversaram
horas a fio e naquele dia mesmo Mohamed Le Petit retornou à sua casa.
Com o
tempo, passou a visitá-la com mais regularidade e ela sempre o esperava para o
chá ou para a ceia, sempre com calorosos e agradáveis bate-papos. Isso fazia
muito bem para ela, afinal, caía bem para uma senhora sozinha, carente alguns
momentos felizes ao lado de um membro da família.
Mohamed
também gostava, pois via na tia Émile um "porto seguro", além, é
claro, de algumas semelhanças físicas com a mãe, o que remetia à boas
lembranças de sua mãe.
Pois bem,
nessas conversas com tia Émile, Le Petit contava para a tia suas experiências
profissionais e pessoais. Reportava-se à sua triste infância, às perseguições
no colégio e também do bullying que continuava sofrendo na França. Contudo,
falava também de seus estudos de jornalismo, de sua tentativa de conhecer
melhor a religião católica, do seu afastamento da religião islã, de sua paquera
com Nadine e depois de sua namorada Adilah. Nas primeiras visitas Mohamed era
mais acanhado, permanecendo em companhia da tia apenas por algumas horas.
Porém, com o passar do tempo, após alguns meses, o mesmo ficava o final de
semana inteiro em companhia de tia Émile e aproveitavam para curtir um pouco a
cidade, passear nos bares, cafés e ir à missa aos domingos. Rouen era uma
cidade bem mais calma e tranquila do que Paris, típica das pequenas cidades do
interior da França. E o melhor, por lá não haviam africanos que o aborreceriam.
Mohamed até pensava em mudar-se prá lá, mas sua vida já estava consolidada em
Paris.
Tia Émile,
assim como sua mãe, era uma exímia cozinheira e sempre preparava pratos típicos
da culinária normanda, que compunham o seguinte menu:
Tripes à la mode de Caen (tripas cozinhadas em molho de vinho e Calvados) ou Auvérnia Auvergne ou Tripoux (pedaços de tripas em molho saboroso) ou Truffade (atatas salteadas com alho e queijo tipo "tomme") e ainda Aligot (puré de batatas misturadas a queijo "tomme").
Le Petit
se deliciava nos jantares com a tia, pois saia do trivial. Afinal, morando só,
ganhando pouco, não podia se dar ao luxo de sempre comer tão bem e passava o
dia muitas vezes com apenas uma baguete ou pequena refeição.
Assim, nas
vezes em que Mohamed passava o final de semana por lá, pegava o último RER de
Domingo direto para Paris com destino à Gare du Nord.
Algumas
vezes Tia Émile o visitava em Paris, mas era raro. Ela gostava mesmo da vida
pacata e pastoril da bucólica Rouen. Todas as vezes que em Paris estava, sentia
certo pavor da multidão de turistas, do trânsito, da loucura da cidade grande.
Por assim dizer, Mohamed já acostumado com a vida em Paris, acabava procurando
um refúgio nos finais de semana, para sentir o frescor de um ar mais puro e uma
cidade mais leve e calma.
Rouen era
daquelas cidades em que o tempo passa mais devagar, onde se saboreia melhor o
gosto da comida e o aroma do vinho e do café. Onde a conversa ao pé do ouvido
fluia de forma natural e onde se ouvia, de longe, o latido do cãozinho e o
abanar de seu rabo para o dono.
Quando
chegava de volta a Paris sentia certa nostalgie.
Iniciando a sua conversão
Passado
pouco mais de um ano vivendo em Paris, perambulando sem rumo, ao sabor do
vento, Mohamed Le Petit descobriu, sem querer, uma linda igreja na Rue du Bac. Ele adorava passear por lá,
onde aliava diversão, cultura e oração. Desde o Sena, rumava
"subindo" a famosa Rue du Bac,
passando pela igreja mais antiga de Paris, a abadia de Saint Germain des Pres (datada do século VI e onde teria guardado
pedaços da cruz de Cristo). Podia mirar lindas boutiques, alguns dos melhores
restaurantes e patisseries e
finalizava seu passeio no número 140 visitando a Capela da Medalha Milagrosa,
onde Santa Catarina Labourè descansa eternamente com seu corpo intacto e
incorrupto (conta a história que Catarina viu Nossa Senhora das Graças por 3
vezes e que ela teria pedido a confecção das medalhas.).
Mohamed
passava bastante tempo agaixado diante da Santa, orando. A primeira vez que lá
esteve foi como um resgate de tudo aquilo que sua mãe falava em sua infância. A
beleza da pequena Capela e principalmente o clima de oração que ela guardava
(chamada da Medalha Milagrosa) era intenso e com forte carga de fé. Talvez
tenha sido o momento do início de sua conversão. A Capela vivia repleta de
irmãs, religiosos e leigos, todos em um clima de muita devoção e fé.
Com o
tempo, mais adaptado à vida Parisiense e mais culto, já não desembestava a
caminhar e sim a flanar pelas principais ruas de Paris, resgatando o que a
cidade-luz tinha de melhor!
Ao tempo
em que ia estudando e vivendo em Paris, tomava conhecimento da história da
igreja, visitando museus, viajando pela Europa e convertendo-se ao Catolicismo.
Mohamed não faltava mais às missas, rezava o terço diariamente, ajudava um
asilo de inválidos e devorava a leitura da Bíblia.
A sua
conversão intensificou-se após o término do namoro com Adilah, três meses
depois de superada a sua depressão, quando então passou a se dedicar mais aos
estudos de jornalismo e do catolicismo. Suas visitas às igrejas e ao Louvre e
sua vontade e sede de conhecimento lhe fazia superar os preconceitos e
discriminações que passava diuturnamente. Ao mesmo tempo, crescia no íntimo de
Mohamed a vontade de satirizar os ensinamentos de Maomé e a radicalidade dos
fundamentalistas do islã. E foi assim que Mohamed vivenciou sua verdadeira
conversão, estudando, praticando a religião, fortalecendo sua fé através da
prática do bem, do amor, frequentando a igreja, com missas, apreciando os
milagres, as obras e arte sacra.
O amor pela
maior oração: A MISSA
O Grande Milagre se renova a cada dia, em todos os lugares do mundo, em
diversas capelas pequenas ou em majestosas catedrais: a transubstanciação na
consagração do pão e do vinho na missa!
Não existe maior oração ao Senhor do que
a missa. E foi nela que Mohamed foi-se concentrando e se apaixonando pelo
Senhor Eucarístico, reconhecendo o Grande Milagre.
Foi da missa que tirava os trechos do
evangelho e as reflexões que mais faziam sentido, como:
“Fazei
isto em memória de mim” 1 Cor 11,23
“E quando
eu for levantado da Terra atrairei todos os homens a mim” Jo 12,32
“Eis que
estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” Mt 18-20
“Quem come
a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” Jo 6,56
Por isso, Mohamed ligava, a todo
instante, os ensinamentos de Jesus com o tempo presente, evocando os versículos
da Bíblia mentalmente, repassando cada parte do Evangelho em suas orações como
um “mantra” um “jaculatória”.
E é sempre bom lembrar que Jesus de
Nazaré vive em nós, a partir do momento que lho damos oportunidade, começamos a
sentir a paz e o amor do Senhor. Ele deu a sua vida e derramou o seu sangue
para nos libertar dos nossos pecados.
Capitulo VIII
Visitando o Arc Triomphe
Em 1836
foi inaugurado o Arc de Triomphe, na Place de L’Etoile. O famoso arco foi
encomendado por Napoleão para celebrar a batalha de Austerlitz. Os alemães o
cobriram com suas suásticas durante a ocupação. Nesse endereço foi celebrado o
fim das duas guerras mundiais e também foi desse ponto que o General Charles de
Gaulle saiu para sua triunfante caminhada pela Avenue Champs-Elysées, quando a
França foi libertada. E quando das longas caminhadas de Mohamed o mesmo gostava
de sair desde a Rue de Rivoli, beirando o jardim de Tullieres, passando pela praça do Obelisco, cruzando-a e seguindo
rumo à Champs-Elysée. Subia
lentamente, apreciando a sombra das árvores, os palácios reais (Le Grand e Le
Petit=com seu sobrenome), até chegar ao início da avenida mais glamorosa da
cidade. Passava pelas boutiques e grandes lojas. Não rara as vezes que parava
por alguns instantes nos cruzamentos a fim de apreciar a beleza daquele local,
principalmente ao cair da tarde, quando as luzes se acendiam e aquele era mais
um pedaço da linda capital francesa que reluzia diante de seus olhos. Ao fundo,
além do por-do-sol, via que majestosamente estava ali um grande arco, símbolo
de poder e glória bélicas de outrora e que agora apenas fazia uma sombra
magnífica sobre os dois lados da grande avenida. Mohamed sempre parava no mesmo
restaurante e pedia sempre o mesmo cardápio. Era, por assim dizer, deveras
sistemático e metódico e até certo ponto supersticioso.
CAPÍTULO IX
O estágio no renomado Charlie Hebdo
Em 2010,
após o terceiro ano do curso de jornalismo da Sorbonne, Mohamed havia terminado
o namoro com Adilah, largava o trabalho no Cabaret e iniciava um estágio junto
ao semanário Charlie Hebdo (com ideias revolucionárias e satíricas). Foram dois
anos de muito aprendizado e muitos conflitos idealistas. Após o que, se tornou
assistente e posteriormente jornalista-colunista. Já em 2006, o polêmico
semanário havia sido duramente criticado por publicar charges ironizando o
profeta Maomé. Cinco anos depois, em novembro de 2011, a sede do semanário foi
atingida por um coquetel Molotov, que causou um incêndio e danificou seriamente
o edifício. Portanto, o Charlie Hebdo sempre foi considerado de ideário “anarquista
de esquerda” e vem causando furor na França, onde vive a maior comunidade de
muçulmanos da Europa – seis milhões, pouco menos de 10% da população total do
país. O jornal satírico tornou-se protagonista frequente no caloroso debate que
tenta definir a fronteira da liberdade de expressão e a provocação ofensiva.
Criar polêmica é quase a razão de sobrevivência do tabloide de tiragem reduzida
(45.000 exemplares por semana, 11.000 assinantes). O jornal precisa vender, no
mínimo, 30.000 exemplares por semana para empatar com as despesas. Entretanto,
a polêmica configura também a oposição entre a velha tradição anticlerical francesa
e outra, ainda mais antiga, a do Islã que não admite nem representação
figurativa de Alá. É nesse contexto, que Mohamed já estava envolvido, não tinha
mais como deixá-lo. Funcionava mais ou menos como a pessoa que entra para o
crime organizado. Ele sabe a porta de entrada, mas não sabe a de saída.
Portanto, Mohamed foi sendo envolvido cada vez mais pela cúpula
"pensante" do semanário, de forma que não podia mais se expor e expor
suas ideias, ainda que contrárias ao que se publicava. Inicialmente, Mohamed
havia achado interessante a crítica, a contestação etc. Porém, com o passar do
tempo e mesmo depois do ataque de 2011, Mohamed viu-se sem saída.
TITULO III
CAPÍTULO I
Continuando a conversão: O conhecimento de JESUS através dos milagres eucarísticos:
O milagre de Lanciano
Mohamed
sempre ouviu sua mãe contar diversas histórias sobre santos e milagres. Mas a
história do Milagre Eucarístico de Lanciano sempre o intrigou mais. E agora,
morando na Europa, poderia confirmá-lo, o que o fez em na primeira viagem para
a Itália, ainda antes de conhecer Adilah.
Trata-se
de um verdadeiro milagre, onde a hóstia se transformou em carne humana e o
vinho em sangue humano, durante uma missa.
O Milagre
Eucarístico de Lanciano ocorreu no século VIII, na cidade italiana de Lanciano.
Tal fato foi reconhecido como milagre pela Igreja Católica. A Hóstia-carne
permaneceu, como assim o permanece até hoje, conservada, apresentando uma
coloração ligeiramente escura, tornando-se rósea se iluminada pelo lado oposto,
com uma aparência fibrosa; o sangue-vinho era de cor terrosa, entre amarelo e o
ocre, coagulado em cinco fragmentos de formas e tamanhos diferentes.
Inicialmente essas relíquias foram conservadas num tabernáculo de marfim e, a
partir de 1713 até hoje passaram a ser guardadas num ostentório de prata, e o
sangue, num cálice de cristal. Após uma série de análises e constatações, o
parecer foi publicado em "Quaderni Sclavo di diagnostica clinica e di
laboratório", 1971 fasc. 3, Grafiche Meini, Siena, afirmando tratar-se de
um milagre comprovado e inexplicável, o documento diz ainda: A carne é carne
verdadeira. O sangue é sangue verdadeiro. A carne seria do tecido muscular do
coração (contém, em seção, o miocárdio, endocárdio, o nervo vago e, no
considerável espessor do miocárdio, o ventrículo cardíaco esquerdo). A carne e
o sangue seriam do mesmo tipo sangüíneo (AB) e pertencem à espécie humana. No
sangue teriam sido encontrados, além das proteínas normais, os minerais
cloreto, fósforo, magnésio, potássio, sódio e cálcio. As proteínas observadas
no sangue teriam sido encontradas normalmente fracionadas em percentagem a
respeito da situação seroproteínica do sangue vivo normal. Ou, seja, é sangue
de uma pessoa viva. A conservação da carne e do sangue, deixados em estado
natural por doze séculos e expostos à ação de agentes físicos, atmosféricos e
biológicos constituiria um fenômeno extraordinário. Outro fato interessante é
que os cinco fragmentos, ao serem pesados têm exatamente o mesmo peso, não
importa a combinação com que se pese. Por exemplo, tanto faz pesar um, dois ou
todos fragmentos juntos, eles têm o mesmo peso. Supõe-se que o sangue
"AB" é o tipo de sangue encontrado no Santo Sudário. Este tipo de
sangue é muito comum no povo Judeu, em Israel. O Milagre Eucarístico de
Lanciano é considerado um dos mais famosos milagres eucarísticos relatados pela
Igreja Católica, porém não é o único: aproximadamente 130 milagres eucarísticos
foram relatados. Conta-se que na cidade de Cássia, na Itália, também já
aconteceu um fenômeno parecido. Outros milagres eucarísticos: Com o tempo,
Mohamed foi se aprofundando no conhecimento dos milagres, acrescentando outros
tantos em seu universo de conhecimento. E assim, tinha cadastrado diversos
outros milagres, como estes a seguir expostos em seu livreto de anotações: "Orvieto
– Bolsena – Itália – 1263, Ferrara – 28/03/1171, Offida – Itália – 1273, Sena –
Cáscia – Itália – 1330, Turim – Itália – 1453, Sena – Itália – 1730, Milagre
Eucarístico de Santarém – Portugal (1247), Faverney, na França, em 1600 e em
Stich, Alemanha, 1970.
Mohamed
chegou cedo ao Santuário do Milagre Eucarístico. Era uma igreja
franciscana, sem riquezas, sem tantas obras de arte, mas a beleza não foi
esquecida. A curiosidade levou-o imediatamente ao altar, mas um guia explicou-lhe
que antes de ver a relíquia, deveria assistir a um documentário em sala anexa e
daí chegou o momento de ver o ostensório, a âmbula.
Foi impressionante ver a imagem de algo tão simples, mas
fascinante. Mohamed, como um homem de fé, ficou encantado e ajoelhou-se no
mesmo instante e ficou horas e horas contemplando o sangue e o corpo de Cristo
vivo naquela hóstia tão especial.
Esse foi um dos muitos momentos que compuseram a sua
conversão.
A arte como expressão da verdade de fé:
Mohamed
sabia muito bem que juntamente com os milagres eucarísticos, a fé também pode
ser expressada e até reforçada através da arte sacra. E assim, as visitas em
cidades e países cristãos, onde estão localizados museus, igrejas, basílicas,
santuários, conventos, mosteiros católicos etc., podiam ser uma forma
interessante e fácil de conversão. E foi assim que Mohamed foi consolidando a
sua fé em Cristo e conhecendo a verdadeira história da igreja. A respeito
disso, Mohamed gostava sempre de ler os trechos de A 51.1 até A 52 do catecismo
da igreja católica, sobre a arte sacra, que ensinam:
"§2500
A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza
moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza
espiritual. A verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão
racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem
dotado de inteligência, mas a verdade também pode encontrar outras formas de
expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela
contém de indizível, as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o
mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus se
lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua
Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista
descobrem , "a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à
contemplação de seu Autor" (Sb 13,5), "pois foi a própria fonte da
beleza que as criou" (Sb 13,3).
A
Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do
Todo-Poderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz
eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb
7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol, supera todas as constelações.
Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à noite, ao passo
que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua
formosura (Sb 8,2).
§2502 A
arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por sua forma, à sua vocação
própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente de
Deus, beleza excelsa invisível de verdade e amor, revelada em Cristo,
"resplendor de sua glória, expressão de seu Ser" (Hb 1,3), em quem
"habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2,9), beleza
espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, nos anjos santos.
A arte sacra verdadeira leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus
Criador e Salvador, Santo e Santificador.
§2503 Por
isso devem os bispos, por si ou por delegação, cuidar de promover a arte sacra,
antiga e nova, sob todas as formas, e afastar, com o me mo zelo religioso, da
liturgia e dos edifícios do culto, tudo o que não harmoniza com a verdade da fé
e a autêntica beleza da arte sacra.
§2513 As
artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, "por natureza, exprimir
de alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar
seu louvor e sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de
contribuir poderosamente para encaminhar os corações humanos a Deus."
A.51.2
Semelhança da arte com a atividade divina na criação
§2501
"Criado à imagem de Deus", o homem exprime também a verdade de sua
relação com o Deus Criador pela beleza de suas obras artísticas. A arte de fato
é uma forma de expressão própria mente humana; acima da procura das
necessidades vitais, com a todas as criaturas vivas, ela é uma superabundância
gratuita da riqueza interior do ser humano. Nascendo de um talento dado pelo
Criador e do esforço do próprio homem, a arte é um forma de sabedoria prática,
que une conhecimento e perícia para dar forma à verdade de uma realidade na
linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança cor a
atividade de Deus na criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor
das criaturas. Como qualquer outra até atividade humana, a arte não tem um fim
absoluto em si mesma mas é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem.
A.52
Árvore do bem e do mal
§396 Deus
criou o homem à sua imagem e o constituiu em sua amizade. Criatura espiritual,
o homem só pode viver esta amizade como livre submissão a Deus. E o que exprime
a proibição, feita ao homem, de comer da árvore do conhecimento do bem e do
mal, "pois, no dia em que dela comeres, terás de morrer" (Gn 2,17).
"A árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gn 2,l7) evoca
simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve
livremente reconhecer e respeitar com confiança. O homem depende do Criador,
está submetido às leis da criação e às normas morais que regem o uso da
liberdade.".
CAPÍTULO II
Alguns
trechos da BÍBLIA que marcaram a conversão de Mohamed
Entre
outras leituras, a BÍBLIA sempre foi uma leitura obrigatória e benvinda a
Mohamed.
A Bíblia é o livro mais vendido do mundo.
Com mais de 6 bilhões de cópias vendidas, as Palavras de
Deus são referências para os cristãos e todos aqueles que
creem no evangelho de Jesus Cristo. A Escritura Sagrada possui ao todo 66 livros,
sendo dividida em dois momentos, o Antigo testamento e
Novo testamento. No
Antigo testamento são encontrados 39 livros, já no Novo Testamento 27. São mais de 31 mil versículos.
Desde
cedo, quando pequeno, sua mãe já lhe ensinara que a Bíblia não é a palavra de
Deus, mas muito mais do que isso, é DEUS QUE FALA! Também aprendeu que as
palavras do Evangelho são sempre novas e atuais e aplicáveis ao nosso
cotidiano.
Desta
forma, habitualmente Mohamed lia o livro sagrado e ia retirando trechos e os
colocando em seu diário, como os a seguir:
1- João 3:16
Porque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna.
2 – Jeremias 29:11
Porque eu bem sei os pensamentos que
tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para
vos dar o fim que esperais.
3 – Romanos 8:28
E sabemos que todas as coisas
contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito.
4 – Filipenses 4:13
Posso todas as coisas em Cristo que
me fortalece.
5 – Gálatas 5:22
Mas o fruto do Espírito é: amor,
alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade e fidelidade.
6 – Provérbios 3:5
Confia no SENHOR de todo o teu
coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.
7 – Provérbios 3:6
Reconhece-o em todos os teus
caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.
8 – Romanos 12:2
E não sede conformados com este
mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
9 – Filipenses 4:6
Não estejais inquietos por coisa
alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela
oração e súplica, com ação de graças.
10 – Mateus 28:19
Portanto ide, fazei discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
11 – João 14:6
Jesus respondeu: “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida Ninguém vem ao Pai senão por mim .
12 – Hebreus 11:6
Ora, sem fé é impossível agradar-lhe;
porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e
que é galardoador dos que o buscam.
13 – Salmo 46:1
Deus é o nosso refúgio e fortaleza,
socorro bem presente na angústia.”
14 – Salmo 125:1
Os que confiam no SENHOR serão como o
monte de Sião, que não se abala, mas permanece para sempre.
15 – Isaías 55:6
Buscai ao SENHOR enquanto se pode
achar, invocai-o enquanto está perto.
16 – Romanos 12:21
Não te deixes vencer pelo mal, mas
vence o mal com o bem.
17 – I Coríntios 13:1
Ainda que eu fale as línguas dos
homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o
címbalo que retine.
18 – Romanos 6:23
Pois o salário do pecado é a morte,
mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.
19 – I Coríntios 2:9
As coisas que o olho não viu, e o
ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou
para os que o amam.
20 – Salmo 22
O Senhor é o meu Pastor e nada me
faltará.
Viagem de Mohamed à Roma/Vaticano
Para curar
a dor do amor perdido, Mohamed decidiu viajar para Roma a fim de reforçar e
aprofundar o estudo da história e doutrina da igreja católica e conformar-se ao
amor maior, o AMOR DE CRISTO. Afinal, sua fé havia sido abalada pela tristeza
da perda de Adilah e ele precisava de um alento para curar seu coração.
A
atmosfera de fé que esperava encontrar nas pessoas e nas Chiesas italianas não exsurgiu. Percebia a frieza dos europeus, que
precisavam de uma "injeção de ânimo e de fé".
Julgava
estranho o fato de Jesus ter habitado tão proximamente deles e a igreja de
CRISTO ter sido tão presente no passado naqueles locais e ao mesmo tempo a
frieza tão inerente aos europeus.
Lembrava-se
de São Paulo, do Brás, onde fiéis aglomeravam-se para assistir as missas. Isso
lhe causava uma sensação paradoxal, pois se entristecia com o desânimo do povo
europeu, contudo se alegrava em constatar a fé e a religiosidade do povo
brasileiro. A sua convicção, embora tivesse sido abalada por um dado momento,
nessa viagem foi reforçada e daí em diante crescia a cada dia, porque agora
Mohamed podia mensurar que a palavra de CRISTO e a Igreja são eternas e
perenes.
Mohamed percebia
na arquitetura dos templos, na duração e na atualidade das leis cristãs, na
divulgação da vida de Cristo em obras de pinturas, esculturas que traduziam
fielmente as sagradas escrituras, o Evangelho.
A cidade
de Roma abrange mais de dois mil e quinhentos anos de história, desde a sua
lendária fundação em 753 a. C. Roma é uma das mais antigas cidades
continuamente ocupadas na Europa e é conhecida como "A Cidade
Eterna", uma ideia expressa por poetas escritores da Roma Antiga.
No mundo
antigo, foi sucessivamente a capital do Reino de Roma, da República
Romana e do Império Romano e é considerada, ao lado de Atenas, um dos berços da
civilização ocidental.
Desde o
século I, a cidade é a sede do papado e no século VIII a cidade tornou-se a capital
dos Estados Pontifícios, que duraram até 1870. Em 1871, Roma se tornou a
capital do Reino da Itália e em 1946 a República Romana. Após a Idade Média,
Roma foi governada pelos papas Alexandre VI e Leão VI e Leão X, que
transformaram a cidade em um dos principais centros do Renascimento italiano,
juntamente com Florença.
A versão
atual da Basílica de São Pedro, no Vaticano foi construída e a Capela Sistina
foi pintada por Michelangelo.
Em 2007,
Roma foi a 11ª cidade mais visitada do mundo, a terceira mais visitada da União
Europeia e a atração turística mais popular na Itália. A cidade tem uma das
melhores "marcas" da Europa, tanto em reputação quanto em patrimônio.
O seu
centro histórico é classificado pela UNESCO como Patrimônio Mundial. Monumentos
e museus tais como os Museus Vaticano e o Coliseu estão entre os destinos
turísticos mais visitados do mundo, sendo que ambos os locais recebem milhões
de turistas por ano.
Pois bem,
como Roma é muito grande e quase tudo faz referência a algo histórico, obviamente
que Mohamed não podia conhecer tudo, sendo que para ele, ganharam destaque tudo
aquilo que era ligado à religião católica e à Santa Sé. Desta forma, Mohamed
focou seu passeio na Basílica de São Pedro e a de São João de Latrão (a mãe de
todas as igrejas - Sede da Diocese de Roma, tendo como bispo atual o Papa
Francisco e onde estão sepultados mais de 20 papas). Também o museu do Vaticano
impressionou muito Mohamed, que não conseguia tirar da cabeça aquela cena da
criação do Mundo, de Michelângelo e os afrescos da Capela Sistina.
Visitando a Basílica do Santo Sepulcro
Como ponto
culminante de sua conversão, no último ano da faculdade, no ano de 2012, em
viagem de férias, Mohamed resolve em companhia de sua mãe, visitar a Basílica
Mor da Cristandade, o Santo Sepulcro. A Basílica foi construída a mando de
Constantino, no século IV, salvaguardando os cristãos de templos pagãos. Conta
a história que foi lá, no Monte Gólgota, o local da crucifixão, morte e
ressurreição de Jesus.
O Santo
Sepulcro que se visita hoje, após períodos de guerras e destruição, foi
arrumado pelos cruzados. A igreja foi danificada por um incêndio em 1808 e por
uma terremoto em 1927, mas as três comunidades maiores (católicos, ortodoxos e
armênios)somente entraram em acordo para reconstrução em 1959.
Era o
sonho de Edith pisar na Terra Santa e sentir a vibração daquele lugar
pessoalmente! Apesar de haver muitas críticas ao lugar, onde muitos pessoas
não convictas não sentem nenhuma vibração, para Mohamed e sua mãe foi uma das experiências mais
gratificantes de vivência da fé cristã, marcante enquanto momento de
profunda reflexão e conversão, onde sentiram a presença do Espírito Santo!
Mais do
que a comunhão eucarística, a fé também é expressada através de um sentimento
intangível que Mohamed aprendeu a reconhecer no seu “eu”.
Ao final
da viagem à Israel, Mohamed ficou tão envolvido com a história da vida de Jesus
que iniciou a leitura dos princípios da filosofia, de São Tomás de Aquino, obra
mestra com fundo teológico de grande valor e que constitui um dos pilares da fé
cristã e onde se explica pormenores jamais vistos em qualquer outra obra,
representando o ápice da interpretação e do conhecimento da fé e doutrina
católica.
E com uma
compreensão infinita da palavra, Mohamed procurou o sacerdote para confessar os
seus pecados e sentir-se livre e perdoado.
Os frutos
da conversão
Mohamed
foi construíndo a sua conversão e notando que algumas características nele
presentes haviam mudado e outras haviam entrado para o seu novo universo.
Com isso,
viu, por exemplo, que já não mais se desesperava com algum problema, pois se
abandonava nas mãos do Senhor. Percebeu que tinha de ter humilde e caridoso com
os irmãos, ainda que fosse ofendido.
Mohamed
notou também que o perdão era algo fundamental para se manter vivo e limpo dos
pecados e que era necessário primeiro perdoar para ser perdoado.
Mohamed
aprendeu que o amor é proveniente de DEUS, que é sua fonte inesgotável e que a
esperança na Ressurreição é algo crível e palpável!
Que Deus
adiantou a participação no seu reino já aqui na Terra e que podemos e devemos
comungar o corpo e o sangue de CRISTO.
Aprendeu
também Mohamed que as obras de Deus são perenes e que Deus é eterno. Ele é o
Ontem, o Hoje e o Amanhã.
Passou a
ver a vida com alegria e que o cristão deve ser feliz, ainda que na tribulação encontrar
paz e serenidade.
Notou que
há uma alegria muito maior quando se doa a alguém quanto receber.
Compreendeu
que a oração é a maior das conversas com Deus e que Deus nos atende, em Seu
tempo.
Entendeu o
significado da palavra SERVIR e, mais do que isso, passou a efetivamente
coparticipar das atividades benemerentes em sua paróquia.
CAPÍTULO III
O pós-formatura de Mohamed
Mohamed
planejou muito bem a vinda de sua mãe para Paris, aproveitando para levá-la à
Israel e já coincidindo com a festa da colação de grau e sua formatura. Apenas
não esperava a grata surpresa de sua mãe se estabelecer definitivamente em
Paris, vivendo a partir de então ao seu lado, o que acabou acontecendo logo a
seguir.
Sua
formatura havia sido excelente e estiveram presentes Tia Émile, sua mãe Edith,
o seu melhor amigo, o senegalês Akon e alguns amigos do bairro.
Dona
Edith, mais velha, sofrida (já havia se casado novamente com um homem mau, que
a maltratava e a espancava com regularidade e o tinha deixado recentemente)
estava cansada de apanhar e resolvera dar um basta definitivo, deixando esse
novo homem prá trás, passando a morar com seu filho em Paris.
Por isso,
depois de sua formatura, já com o novo trabalho no Charlie, alugaram um studio super bem situado, no Quartier
Latin e juntando suas forças, começaram a viver com um pouco mais de conforto
na cidade-luz.
Dona Edith
arrumou um emprego de cozinheira num bistrô próximo ao apartamento novo e,
assim, passaram a viver dignamente.
Dali em
diante, constantemente saiam a passeios, jantares, missas e museus. Faziam o
que lhes dava prazer.
Muitas
vezes recebiam a visita de Tia Émile, que passava uma ou duas semanas em
companhia da irmã Edith. De vez em quando Edith também ia à Rouen, mas agora
sem Mohamed, pois o mesmo não dispunha mais de tempo em função de estar
assoberbado no estágio do Charlie Hebdo.
Nessa época,
o já reformado Akon, também costumava frequentar o apartamento da família Petit
e fazia ótimas refeições em sua companhia. Edith e seu filho insistiam em
converter Akon ao Cristianismo, mas ele se colocava numa posição de
neutralidade.
Pois bem,
nessa época passaram a gozar do melhor que a vida oferece, curtindo a vida na
Paris moderna e, pelo menos por um tempo, foram muito felizes.Edith se
refestelava com o fato de saber que seu filho se tornara um jornalista formado
pela Sorbonne, convertido ao catolicismo e com estágio num importante
semanário.
O novo apartamento
O
apartamento, ou studio, ficava
localizado num lugar encantador, na rua mais dinâmica de Saint Germain des Prés, Rue de Buci, no 6º Arrondissement. Localizado no 5º andar, com elevador.
O
apartamento tinha uma aparência moderna, bem mobiliado, com uma sala de estar
grande, arejada e luminosa, piso de madeira, sofá em ele, com um toalete
pequeno, mas muito funcional. A cozinha, muito bem equipada e decorada, em
formato americano, fechava o cenário de uma aconchegante morada.
O
edifício, apesar de antigo, bem conservado e com uma atmosfera linda, típico do
século XIX. Do alto do apartamento se tinha uma bela vista sobre a Rue de Buci e Rue Grégoire de Tours. Ficava localizado no coração de Saint Germain des Prés com suas
boutiques, famosos cafés e galerias de arte. A apenas cinco minutos de
caminhada até o Quais de Seine e sua bouquinistes e a quinze minutos do Museu
do Louvre, Sorbonne e a Notre Dame de Paris. Também se
avizinhava do tão querido Jardim de Luxemburgo e da Place Saint Sulpice com sua mais famosa ainda igreja que leva o
mesmo nome. Sempre que podiam frequentavam o típico café Bar du Marche, na Rue de Buci
mesmo. Por ali mesmo faziam suas compras, em supermercados de bairro, como
o Fran Prix. Enfim, o local perfeito
para eles que queriam explorar o centro histórico de Paris, perto de monumentos
principais.
CAPÍTULO IV
O dia-a-dia no Charlie
Em janeiro
de 2012, Mohamed foi promovido a jornalista-sênior do CHARLIE, mesmo a
contragosto, já não vislumbrava mais a sua retirada. O fato é que ele, assim
como os demais jornalistas e funcionários do jornal, tinha de se cercar de
seguranças e estava ficando cada dia mais visado. Isto porque as sátiras aos
muçulmanos se intensificaram e foi ficando insustentável trabalhar lá...
Havia
suspeita de retaliação a todo momento e Mohamed não tinha mais sossego.
Trabalhava pressionado. Os colegas já nem conseguiam desenvolver o seu trabalho
de forma livre e tranquila, pois sempre havia boatos de que haveria algum
ataque ou atentado. Mohamed, ao sair do trabalho, começou a pedir para se
ausentar em horários diferentes, para que não fosse surpreendido com alguém que
pudesse segui-lo ou coisa parecida. A esta altura, Mohamed e sua mãe rezavam
incessantemente para que não fossem alvejados.
O conflito
interno de Mohamed em relação à religião já não mais havia, pois se tratava de
um católico convicto, porém, o fato de ter feito a opção de trabalhar num
jornal que satiriza e desrespeita a religião Islã, que a priori
não o incomodava, passou a incomodá-lo em demasia, de forma que em fins de 2014
Mohamed já não participava tão ativamente das reuniões nem mesmo comungava das
ideias do semanário.
Fim
Mohamed
morre no dia 07 de janeiro de 2015, dia em que completaria 26 anos, no atentado
ao semanário Charlie Hebdo; sendo com ele mais 11 mortos.
Na leitura se observa a paixão do escritor por Paris , ao ler, se tem a impressão de que o texto poderia muito bem ser emoldurado por pinturas de Toulouse- Lautrec, rico em detalhes do modus vivendi parisiense. Contemporâneo, nos faz refletir ante aos comportamentos dos tempos atuais. Adorei! Vale muito a leitura!
ResponderExcluirTatiana Muniz
Obrigado! Estou lançando ele junto ao Clube dos Leitores.
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